terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Mudez




Secaram-me as palavras
que me vieram morrer na garganta
Sem ter força para sair
Sem ânimo para o mundo alterar.

Morreram, depois de viajar
depois de se acotovelar
Depois de lutar pela luta
Depois da decisão
de partir para ficar.

Acabaram os protestos e os lamentos
as culpas e os julgamentos
as incertezas e os seus sentimentos.

As palavras, minhas,
Já nada mais tinham a dizer
que ainda não tivesse sido dito
que ainda não tivesse sido pensado
que ainda não tivesse sido sentido.

E para não se repetirem
Para não se perderem
Cansadas,
Preferiram ficar
Desistir e secar.

Esgotaram-se
Mas em mim
Nada mudou
Nenhuma vontade passou
A não ser a vontade de falar.

Secaram-me as palavras
Porque não iam ser ouvidas
Porque não iam ser consideradas
Porque, também elas
Não iam ser escutadas.

Estancou-me a voz.
Resta-me a ira dos pensamentos,
Os actos, os lamentos e os tormentos
De todos os momentos
Que, em silêncio,
Vou querer libertar!

domingo, 24 de outubro de 2010

Inscrição

Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!

Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.

Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?

Cecília Meireles, in 'Retrato Natural'


Nota:
Dedico este poema a todos os tristes que, ao longo da minha vida, tiveram o prazer de me magoar.
JC

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Retrato de Mulher Triste




Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

De mansinho





Chega sempre tímida e de mansinho.
Traz cores suaves
Odores subtis
Cores envolventes.

Chega... e namora-me.
Seduz-me quase à distância.
Sorri-me veladamente
E finalmente conquista-me!

Oh que fraca sou
Que a conheço e me deixo envolver!
Sei que ela me quer
Mas também sei que me magoa
Uma vez
E outra
E outra ainda, repetidamente!

Mas não lhe resisto
Pois, estranhamente, ela conhece-me,
acarinha-me,
Seca-me as lágrimas que me fomenta.
Gosta de mim à sua maneira...
Experimenta até não me ferir
Com as suas garras escondidas...

Mas também não me resiste
A mim
Sempre exposta e provocante
Ondulando as ancas em cada silêncio
Sacudindo os cabelos ao vento em cada lembrança
Fazendo-lhe olhares gulosos em cada pensamento!

E depois... sei que me faz companhia,
Que por algum tempo
Quebra a minha solidão
E num rasgo de paixão e loucura
Abro-lhe os braços e digo:
"Estou aqui! Entra dentro de mim!"

Depois.... depois é a fusão
E as duas, unidas
Fazemos uma só.
De que me queixo então?
Da sua companhia
Ou da dor que me provoca?
Da sua insistência
Ou da sua arrogância?!

Aceito-a, de novo em silêncio.
Talvez precise da sua dor
Para me purgar
E deixo-a habitar em mim
Até ela querer, até eu
Frágil mas persistente
A expulsar, de novo
Uma vez e outra,
E outra...
Para finalmente lhe poder dizer:
"Adeus tristeza,
Até depois!!"

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ausência





Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Criogenizados




Estão a congelar tudo em nós!
Aconselho, em alternativa, algo de mais duradouro e permanente: a criogenia!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Cume da montanha





Está a chegar ao fim o meu tempo
Pois estou a atingir o cume
De uma montanha que escalei
Solitária,inglória e arduamente.
Não posso voltar para trás
E tentar recuperar o tempo
Perdido em viver erradamente
Desperdiçado com coisas supérfluas
Porque estas veredas têm apenas um sentido.

Exausta com as lutas travadas,
As derrotas sofridas,
As intenções falhadas,
As acções, frustradas,
Estou a deixar caídas no meu trilho
Todas as coisas que possuía,
Tudo o que sempre me acompanhou
Nesta caminhada solitária.
Mesmo os sonhos foram tombados,
Quebrados, um a um.

Estou a perder o meu tempo,
O meu querer, os meus objectivos
E agora
A minha única ânsia
É chegar ao topo
E esperar que ela me leve
Depressa e indolor...
Mas seja como for
Certamente doerá menos
Do que esta dor de viver.

Estou, finalmente, a chegar ao fim.










"Perderei a minha utilidade no dia em que abafar a voz da consciência em mim".


Mahatma Gandhi

domingo, 10 de outubro de 2010

Lembro-me agora...





Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.

Nuno Júdice, in “Poesia Reunida”

domingo, 3 de outubro de 2010

À morte







Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto!

Poema



Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Poema ao luar














É à noite que me fazes falta,
Tu, a ti, que eu nunca tive,
Que eu nunca conheci,
Para dançarmos juntos
A dança da noite
E desfrutarmos em conjunto
A Lua, deusa das pérolas invisíveis.

É a ti que eu quero,
Forte e seguro,
Mas frágil e terno,
De asas transparentes
E corpo viril e ágil.

Quero que precises de mim também,
Quero que me deixes amar-te
Mas principalmente
Quero que me ames e protejas
Me vejas como a tua prioridade
Me encantes com o teu olhar sincero
Com os teus gestos meigos
Ou com a tua pálida vaidade.

Quero-te nos meus intermináveis fins-de-semana
Para que estes não sejam tão solitários e opacos.


Quero-te na minha vida,
Não como um estorvo, mas como um cúmplice
Não como um opositor, mas como um amigo
Não como um juiz, mas como um advogado
Não para me enterrares, mas para me puxares do fundo,
Sempre que eu, fraca e sentimental
Me deixe atolar no inevitável lodo cíclico da vida
Ou me embrenhe no abismo rochoso da exclusão.

Quero-te ao meu lado,
Para ouvires as minhas gargalhadas,
Mas também para me limpares as lágrimas,
Me aconchegares a roupa, quando eu tenho frio
Ou me refrescares, quando eu transpiro em demasia.

Quero-te junto a mim, para poderes rir comigo
Das insânias que digo com inocência,
Ou dos meus actos desajeitados
Ou ainda quando me enfeito de colares coloridos

Quero-te por perto,
Para poder ver e partilhar os teus sorrisos, as tuas lágrimas,
Os teus olhos parados e perdidos,
Ou ouvir as tuas palavras sem sentido.

Quero-te próximo de mim,
Para juntos construirmos o que nos resta da vida
Porque com meio século
Ainda se podem iniciar construções.

Quero-te nas noites e dias de Inverno,
E nos dias e noites de Verão,
Antes, durante e depois do solstício.

Sei que não existes, porque não te conheço
Mas eu sonho-te.
E é o meu sonho que te edifica,
Que te dá corpo
E que me dá esperança em tons de violeta
Em cada onda que lambe os meus pés,
A cada sete ondas que rebentam junto de mim.

Procuro-te há anos a fio,
E um dia, sei que te hei-de encontrar
Talvez já não seja aqui, neste mundo
Mas prometo-me que não vou desistir.

Quero-te!!
Sou leviana por te querer?
Arrebatada por te inventar?
Talvez
Mas este Mar que me banha e encanta
Ainda um dia me há-de trazer
Um colar de mil pérolas
Vindas do mar do oriente
E tu, virás nele agarrado
Para me tornares a rainha de todas as fadas.
Quero-te, simplesmente!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

História rápida de uma vida





Depois de uma gravidez não planeada, nasceu antes de tempo, sozinha, de forma apressada.
Foi aceite pelos irmãos que depressa se aborreceram dela, logo que começou a expressar o seu querer e o seu estar.
Também de forma rápida, cresceu e expulsou de casa os irmãos, tendo ficado, sozinha com os pais.
Sempre velozmente os anos passaram o suficiente para ela estudar, obter o seu emprego e casar.
E depressa teve o filho, que, esse sim, demorou a nascer.
Mas também depressa o casamento acabou.
E ela ficou sozinha de novo.
E bem cedo, o filho cresceu e voou do ninho.
E ela ficou ainda mais sozinha.
E com rapidez o filho teve um filho.
E mais sozinha ainda voltou a ficar.
E com toda esta correria, este despachar de situações, ela foi envelhecendo e ficando cada vez mais e mais isolada, cada vez mais distante de tudo e de todos.
Nessa vida apressada foi fazendo amigos descartáveis, que depressa desapareceram. Nessa vida apressada, não teve tempo de viver, de se dar a conhecer, de deixar algo de si.
A loba solitária que foi desde sempre, roubou-lhe os sonhos e o querer e, por isso, um dia, ela também teve pressa de morrer, talvez com a única ilusão de que poderia ter uma outra vida, recomeçar tudo de novo e de forma diferente, sem pressas, sem diferenças, sem exclusões.
Partiu, depressa, sem aviso, mas, afinal, não voltou nunca.
Foi a pressa que a trouxe e foi ela que a levou.
De toda essa vida conseguiu deixar apenas uma pergunta: Porquê?
Mas também foi esquecida com velocidade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Inocência




" Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras." Reinhold Niebhur

sábado, 11 de setembro de 2010

Despedida






Foram chegando quase todas em silêncio. Traziam o peso da dor no seu olhar, quase todas, húmido. Juntaram-se ao portão já aberto, aproveitando as sombras dos muros e das árvores de folhas penduradas. Alguns, sempre cabisbaixos, iam murmurando com os outros, em conversas inaudíveis mas que deixavam adivinhar o seu conteúdo.
Os minutos foram passando com lentidão e a multidão foi aumentando, deixando já transparecer alguma impaciência.
O sol, lá bem no alto, brilhava e queimava, alheio a todos, seguindo o seu habitual curso diário, agora, de quando em quando, entrecortado por algumas nuvens.
Até que o carro chegou, devagar, também em silêncio e seguido por tantos outros. Parou. Deixou sair os passageiros que se mantiveram ao seu lado, sombrios. A porta de trás abriu-se e a multidão aproximou-se, aconchegada entre si, curiosa, mórbida, talvez.
Foram retirando arranjos de flores, e mais flores soltas coloridas, e mais flores de aromas perdidos.
Por fim, retiraram-no de lá de dentro, alguns homens, que o transportaram a custo, aos ombros, até à entrada.
A multidão juntou-se ainda mais e, em simultâneo, o sino tocou, sinistramente, algumas badaladas. E todos cruzaram o portão, arrastando os pés e acompanhando a passada lenta dos quatro homens que encabeçavam o cortejo.
O silêncio foi substituído pelo choro, mais ou menos ruidoso de muitas pessoas, qual onda a rebentar na areia. Algumas soluçavam, outras fungavam disfarçadamente, tentando esconder o grito da sua dor.
Avançaram um pouco e depois todos pararam. Puseram-no no chão e a multidão afastou-se sincronizada, formando uma clareira em sua volta. O padre de sotaina descontraída, que também em silêncio tinha acompanhado o cortejo, proferiu o seu discurso, de forma breve e solene. Omitiu o facto de aquele ter sido o desejo dela.
Posteriormente, dois homens que não faziam parte da comitiva, abriram-no pela vez derradeira e algumas pessoas, de ar perturbado e em pleno sofrimento, fizeram-lhe a sua última homenagem. Foram instantes intensos e pesados, plenos de dor e mágoa, de um padecimento sem igual. O som dos choros passou a fazer-se ouvir ruidosamente.
Seguidamente, incólumes ao séquito dolente, os mesmos homens voltaram a fechá-lo, emitindo um único som, seco.
Foi então que, a custo, guiado por cordas, entrou na cova que o esperava. Quando já estava no fundo húmido, lançaram-lhe algumas flores brancas, com votos de uma esperança tardia: "Descansa em Paz...", murmurou alguém.
Depois foram as pazadas de terra que o atingiram, com tons ocos, cada vez mais ocos, até que, por fim já só se ouvia o arrastar das pás no asfalto.
Tinha acabado. Estava tudo verdadeiramente acabado e já nada mais havia a fazer!
Seguiram-se as últimas palavras à família, um último olhar fugidio, um último gesto de despedida... e cada qual por si começou a debandar e a procurar de novo o portão, desta vez para o ultrapassar em sentido oposto. Saíram em silêncio, transportando o mesmo ar pesado e triste, o mesmo olhar parado e dolente. Nos lábios, alguns deixaram ainda escapar: "Porquê?".
Só depois virei as costas em definitivo, sem conseguir olhar para trás e segui o meu dia. Não podia alterar os factos nem ir contra a sua vontade. Aceitei-a apenas. Guardei ainda um grave soluço no peito.

O Primeiro






Actualmente, todos querem ser o melhor, para ser o primeiro;
o mais bonito, para ser o mais elogiado;
o mais elegante, para se destacar dos demais;
o mais interessante, para ser o mais procurado;
o mais simpático, para ter mais amigos;
o mais competente, para voltar a ser o melhor;
o mais inteligente, para passar à frente de todos;
o mais rico, para poder comprar tudo e todos;
o mais desejado, por ser o mais simpático;
o que tem mais amigos, porque é o mais procurado;
o que é mais lembrado, porque se destaca de todos;
o que vai a mais festas, porque é o mais popular;
o que é mais amado, porque isso é o mais importante;
o mais... qualquer adjectivo com conotação positiva para poder estar em primeiro lugar, para ser o favorito, o que se distingue, o que está acima dos outros...

Depois... depois disto pouco resta para os que são mais gordos, a não ser o gozo; os que são menos inteligentes, a não ser a chacota;
os que são menos ricos, a não ser o desprezo;
os que são menos populares, a não ser o esquecimento;
os que não têm o melhor emprego, a não ser o fracasso...

Porém, a maior parte dos seres é apenas mediano na maior parte das suas qualidades.
Nem todos são magros, nem lindos, nem ricos.
São apenas comuns mortais, apenas pessoas!

Quando é que começam a olhar para os outros, não por serem gordos ou magros, bonitos ou feios, ricos ou pobres, mas por serem pessoas, com sentimentos, com qualidades, com defeitos e, por isso mesmo com essência?
Quando deixaremos de ter rótulos, e etiquetas?
Quando passaremos a valer pelo que somos e não pelo que parecemos?
Quando passaremos a valer pelo que somos e não pelo que temos?
Quando?

sábado, 4 de setembro de 2010

Voltar a ser menina





Quero voltar a ser menina
Para poder recolher-me
No colo da minha mãe
E voltar a sonhar
E a acreditar no sonho;
Para voltar a amar
E acreditar no amor;
Para voltar a viver
E acreditar na vida.

Quero voltar a ser menina
E poder esconder-me
No colo da minha mãe
Para voltar a ver as cores
De todos os arco-íris,
A luz de todas as luas
Sentir o calor de todos os sóis...

Hoje sou velha
Vejo tudo a preto e branco
Apenas sinto frio e tristeza
Já não acredito na vida
Nem no amor
E não consigo sonhar.
No lugar dos sonhos
Tenho agora um vazio
Pleno de pesadelos vividos.

O meu colo de Mulher
É de cor dolente
E de temperatura impotente
Porque os sonhos, acabaram
A vida, está no fim
E a esperança, definhou.

Quero voltar a ser menina.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Princípezinho






" Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito mas não há os que não deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que duas almas não se encontram ao acaso."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pintando com palavras


“Aguarela”

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo…

Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva…

Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu…

Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…

Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar…

Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar…

Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida…

De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo…

Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está…

E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar…

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá…

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(Que descolorirá!)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(Que descolorirá!)
Giro um simples compasso
Num círculo eu faço
O mundo
(Que descolorirá!)

Toquinho

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Disfarce de vida





Liberta-te, escravo involuntário da vida levada a sério
Pois mesmo sem saberes
O tempo da opressão também é feito por ti.

Entrega-te com afinco à dissimulação
E finge não sentires essa dor que te apaga
Sem hipocrisia aprende o prazer da existência fácil
Sem pensar, sem exigir, sem querer
E disfarça o teu sofrimento com risadas
Ocultando as lágrimas ensanguentadas do teu querer.

Não te anules, mas vive como se fosses outro
Encobre a tua ira com gestos doces
Não lamentes o que não tens
E elogia o que possuis
Porque esse teu dom... não vais permitir que to roubem
Pois mesmo sendo outro
Não deixas de ser tu
Tens o teu mundo interior
O teu desejo e a tua força
O teu conhecimento e o teu invento.

És agora um homem livre
Com a luz no lugar do esquecimento
Com a alegria no lugar da tristeza
Erguido, firme, hirto
Determinado mas impotente
Perante o castigo exigido e imposto.

Ri da tua dor. Acende as luzes da tua ribalta
Acena com bravura aos demais, ignorantes
Sorve com avidez o ar que neste momento te envolve.

E, num gesto mudo, continua a gritar para ti:
Sou livre neste Mundo!

sábado, 14 de agosto de 2010

Fala-me



Fala-me do teu sonho
Daquele que foi por ti mutilado
Conta-me como o sonhaste
Como ele era antes desse acto acabado.

Refere-me se era sobre Paz, Amor ou Ódio
Sobre Dinheiro ou Poder
Ou se era simplesmente
A tua imaginação a crescer.

Diz-me quem to roubou
Explica-me porque assim ficou
Verbaliza porque não se realizou
Comunica-me porque acabou.

Deixaste de nele acreditar
Ou simplesmente o quiseste matar
E desististe, por ser ambicioso
E demasiado difícil de alcançar?

Assim, quando eu souber dele
Talvez te possa ajudar
A um novo sonho reconstruir,
A um novo sonho sonhar.

E se eu um dia o conhecer
Quem sabe se eu não te posso contar
Como fingir viver um sonho
Um sonho sempre por realizar?

Porque viver em Paz é ainda possível
Mesmo não vivendo a tal vida, porque inatingível
Pois a imaginação pode ser fértil
Mas o desejo inútil.

Fala-me do teu sonho!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Limpezas



Estou a aproveitar o Verão para fazer limpezas, para deitar fora todo o lixo que, indevidamente, guardei até agora. Não me refiro à simples limpeza da casa, actividade essa tão fácil e desprovida de verdadeiro empenho.

Refiro-me, isso sim, à minha limpeza interior, à limpeza da minha memória já que nela guardo lembranças que são puro lixo, de outras tantas pessoas que não passam disso mesmo!

Para quê ocupar espaço dentro de mim com informações obsoletas, memórias dolentes e tristes de quem nunca valeu esse privilégio?
Elas são autênticos resíduos tóxicos que se disseminam por todo o meu ser, correndo pelas veias e saindo, a custo, pela pele em jeito de hematomas.

Estou a abrir as janelas da minha alma, a arejar o sótão da minha lembrança e a sacudir todo o pó, todas as teias de aranha, a desfazer-me de todo o lixo guardado ao longo de décadas!
Esfrego com determinação e detergente feito de indiferença todas as nódoas negras deixadas no halo do meu ser. Obtenho assim, certamente, espaço livre, limpo e liberto para verdadeiras, belas e valiosas aprendizagens, que sejam plenas de energia.

É que todo o processo de arrecadar lixo ao longo dos anos, tem-me desgastado, conspurcado e sugado as energias positivas que possuía, a alegria e os sonhos.

Chegou a altura de colocar um ponto final a essa minha atitude pouco inteligente de deixar entrar na minha vida gente perdida que me faz perder tempo, que me rouba sentimentos e vontade e que como recompensa, me deixa cheia de detritos emocionais sem nada de bom me ter ensinado.


Basta! É tempo de limpeza! Não quero mais tristeza nem bossas de herança! Não quero sentimentos nem sensações inventadas... quero uma vida limpa de falsidade, perfumada de amor e verdadeira nos sentimentos e sentires... sem sedimentos de dor.

O sótão da minha memória estará imaculado, prometo-me que sim, dentro em breve; a minha vida, essa, segue em frente sem necessidade de ser povoada por duendes feios, falsos e feitos de mentira.
A solidão é, afinal, a melhor de todas as conselheiras, talvez de todas as purgas e limpezas.

Vou continuar a aproveitar o Verão!

sábado, 31 de julho de 2010

Conselhos de vida I






Vive

Vive cada momento da tua vida como se esta fosse acabar no momento seguinte;

Grita quando precisares e sempre que te apetecer
Aprecia o que te dá prazer mesmo que este seja pequeno;

Observa o mar, as ondas e as dunas
Imerge nas águas, sustendo a respiração para poderes entrar num outro mundo
Mergulha o olhar nas falésias perigosas e inclinadas;

Arrisca um olhar indiscreto e ousado sobre uma janela fechada
Saboreia a brisa fresca no teu rosto
Quando o teu corpo arde em desespero;

Sobe alto às montanhas, mesmo que habites uma planície
Escalando as encostas com murmúrios surdos
Tropeçando no cascalho solto e movediço,
Mas sobe;

Bebe o verde das árvores
Ouve os seus sussurros, as suas preces
E entrega-te no colo dos seus ramos;

Deixa que o sol te queime a pele, te fustigue, te castigue
Porque amanhã vais ainda lembrar que o sentiste
E ele ficará impregnado em ti, porque existiu;

Experimenta o frio da neve nas tuas mãos, fazendo bolas de esperança
E constrói com os seus flocos, exércitos de bonecos, guerreiros de ti, imaginários;

Lambe em silêncio as lágrimas que te rolarem pelo rosto
Ou deixa-as brotar com estrondo
Porque elas, são sinónimo da tua tristeza mas também da tua existência;

Absorve o doce do mel que inconsciente, caiu na tua boca
Mesmo que a amargura do instante to não deixe saborear;

Ri, ri muito do que te dá vontade
Graceja com o caricato do teu comportamento
Ou com os teus actos desajeitados, mas ri!

Trapaceia o destino que te impõe modelos
Troca-lhe as voltas e os anseios
E de bom humor, segue de cabeça erguida
Porque essa, é a tua melhor arma;

Ama apenas quem te ama e quem te merece
Fica perto dos teus amigos, dos que te sabem
E desouve os comentários alheios
De quem não te compreende,
De quem é desimportante e nunca saberá quem tu és;

Diz tudo o que te vai na alma, no ser, na cabeça, na garganta
Porque o silêncio é vil, destrói, mata;

Ouve os teus gritos, os teus risos
As gargalhadas das crianças
O som do mar a rebentar na areia
Ouve o bater do teu coração,
A mais bela melodia ou a cacofonia que melhor te aprouver,
Mas ouve;

Sê honesto e verdadeiro para te poderes defender
Porque a mentira é traiçoeira e de vida breve;

Vive, arrisca, mesmo com moderação, mas vive
Porque hoje sabes que estás aqui e és tu
E o amanhã pode não te acontecer!

Vive, mas vive com esplendor
Marcando a tua diferença
Deixando o teu rasto, o teu legado
Porque só assim completarás a tua passagem.

Vive!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

É pena


É pena as palavras usadas nas promessas não terem sido cumpridas
É pena ser mal-amada, apenas usada... não ouvida nem sentida.
É pena as vontades prometidas serem para sempre adiadas...
É pena as intenções de desejos não terem sido nunca realizadas.

É pena até os falhados, os perdidos, os derrotados, quererem ser ousados
Saberem fazer exigências, serem pouco equilibrados
E mesmo mascarados, não passarem de tristes, coitados!
É pena que haja caminhos cruzados, trocados, errados.
É pena que fiquem mais nódoas manchadas nas histórias vividas
Repetidas à força, e agora encerradas.

Restam apenas as angústias recolhidas, escondidas... contidas.
Resta apenas o que existe sempre: todas as vis certezas doídas.

Mas é pena que as veredas, as estradas da vida, continuem a ser mal escolhidas
E que as viagens encetadas sejam longas, porque sofridas,
Sinuosas, porque mal sucedidas,
Efémeras, porque enganosas,
Tristes, porque falazes.

E com tantas penas que restam
Quero apenas fazer um belo pássaro
Branco, porque de Paz e livre, porque de Solidão
E ser eu a voar esse pássaro migrando para longe...
Para longe de mim.

Acabaram-se as penas! Sou como ela!!

domingo, 27 de junho de 2010

Festas populares



Vêm aí o S. Pedro
E as Festas da aldeia
Está na hora de convidar os filhos
E dar sumiço à plebeia!

Que vivam os carrosséis
Os petiscos e as farturas!
Que viva o corso garrido
Com cavalos e charretes!
Que vivam todas as coisas
Menos a moça das chicletes!

Com tanta animação
Folia, largadas e diversão
Para quê perder tempo
Com quem é um estorvão?

Venham de lá esses toiros
E também as garraiadas
Vamos todos festejar
A liberdade e o contentamento
De nada ter que explicar
A ninguém, em nenhum momento!


Está aí o S. Pedro
E as Festas da aldeia
Conviver com os novos
Comer, rir e sempre beber
Sem ter nada que prometer!

Vem aí o desfile luminoso
Com carros, música, moças bonitas e alegria
Com os nossos amigos
Vamos cantar e dançar até ser dia!

Acabou o S. Pedro
Já sem filhos, amigos, festas e romaria
O que fazer à solidão e tristeza,
Ou à falta de companhia?

Foi-se embora o S. Pedro
E a aldeia despiu a sua cor
Com ele foram-se os descendentes
E foi-se também a certeza
Da perda de um grande amor.

Foi-se embora o S. Pedro,
Não há festas na aldeia...

sábado, 26 de junho de 2010

(Des)nudez


Sempre em cima dela, despi o meu melhor vestido
De padrões repetidos e cansados
Voltei a apanhar os caracóis do cabelo
Tirei a pulseira colorida e gasta
E descalcei os sapatos de salto,
Mas mantive-me em cima dela.

Deixei, então, cair o falso sorriso de esperança,
Substitui-o por lágrimas verdadeiras, até então contidas.

Ela estremeceu mais uma vez.

Cuidadosamente, coloquei um pé à frente do outro
E avancei um passo apertado, receoso ...

Desnudada, exposta ao meu ser, não me deixei olhar para trás.
Assumi, assim, perante mim, o que até então neguei: sou defeituosa.

Cobri-me com a verdade
Agasalhei-me com a tristeza
Quase adormeci na vergonha.
E ela, numa última convulsão, partiu-se!!
Pobre corda bamba!

Aterrei com estrondo e sofrimento
Tacteei, de olhos fechados, todas as equimoses do meu corpo
Sacudi-me, ainda estonteada
E compreendi que as fracturas já não estavam expostas.

Levantei-me, abanei-me com pompa e, por último, ergui-me.

Diferente, porque única, defeituosa, porque diferente,
deficiente, porque não me encaixo, assim vou continuar.
O estigma da corda... esse... desapareceu!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sempre fiz o que julgava estar certo



Sempre fiz o que julgava estar certo
Mas o destino, que é vil e mesquinho
Sempre pegou em mim e no que não consegui fazer
Para me castigar e fazer doer.

Sempre quis fazer o que entendi ser certo
Mas o infortúnio rondou continuamente por perto
Pois o resultado foi sempre mau
E agora, vejo-me quase só, neste deserto!
Não agradei a gregos nem a troianos
Desgarrada, apenas sofri enganos e desenganos.

Então penso: "E se eu fizer o que está errado?"
Pode ser que engane o fado
Me vista de desconhecida
E consiga, agora, bom resultado!

E se, por uma vez, fizer o que está errado
Deixar de ser sincera, puser o sentimento de lado
Caminhar incógnita mas de espírito pesado
Passear pela impostura, como qualquer outra criatura?

Sempre fiz o que entendi estar certo,
Encarei o mundo de coração aberto
E eis que estou aqui, sozinha, no deserto
Porque o desalento tornou-se um monstro
E está eternamente perto.

Sempre fiz o que pensava estar certo
E hoje, resta-me a consolação desta leveza no coração.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dia da Mãe


Para Sempre
"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'

terça-feira, 13 de abril de 2010

Visitas não convidadas


Ela veio de novo visitar-me e provavelmente vai querer habitar-me temporariamente. Só que eu não a convidei... pelo menos voluntaria e conscientemente.

Achamos que somos uma pessoa, mas aos olhos dos outros somos alguém diferente. Desejamos ser de determinada forma, mas somos de outra apenas porque não conseguimos ser essa "tal" pessoa ou pura e simplesmente porque não nos deixam.
E é também por isso, talvez, que ela me visita.

E vem o calor excessivo, ofertando suores, seguido de um frio de rachar, que faz tremer o queixo. Uma escuridão de breu de meter medo, seguida de um sol resplandecente que fere a vista. Um peso inexplicável às costas e simultaneamente sentir asas para voar.

Mais o medo. O querer e o não conseguir. E decididamente sei que o que incomoda não é o receio do desconhecido, do que pode vir a seguir. Isso não, pois quase tudo o que era desconhecido e podia acontecer, já aconteceu.

Mas ele está comigo. Olho para trás e pouco mais consigo do que o que ficou por fazer, por alcançar, por atingir. Poderia e deveria ver o que foi feito... mas é tão pouco importante e desinteressante, que passa despercebido no meio de tudo o resto.
E são também as lágrimas salgadas, seguidas de gargalhadas estridentes, descontroladas e patéticas. A alegria e o bem-estar que são rapidamente engolidos por ela... teimosa, ganhadora, valente!

É tudo isso ao mesmo tempo colocado no misturador gigante e desmesurado em que a minha cabeça se tornou.

É o estar definitivamente deslocada em qualquer que seja o lugar, é o sentir que estou a mais ou que não pertenço a lado nenhum, que deixei de ter raízes e referências ou que, pura e simplesmente, nunca as tive.

Mesclam-se, atropelam-se as ideias e os sentires... só sei a dor. Já nem sei as palavras. Apenas os sentimentos, também eles destemperados, inqueridos.

Vou-me embora. Parto. Quero fugir de mim. Começo a fugir de mim própria. Viro-me as costas, mas persigo-me. Estranha forma esta¸ de ser, de estar, de amar. Era tão mais fácil ser outra pessoa! Como ser quem não sou?

São as lágrimas que vencem o riso. Tremo de novo.
Já não sei bem o que sou o que me tornei... no que me tornaram. Mas sei apenas e ainda o que quero, o que preciso, mas não quero admitir... digo apenas baixinho porque a fraqueza pode vencer-me também.

Fica o vazio.
Fica o que não tenho.
Fica-me a companhia da minha visita.
Por quanto tempo irá ela ficar comigo?
"Pensamento positivo. Não a deixes ficar. Não lhe dês guarida!" oiço sussurrar bem baixinho no fundo de mim...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Pára de procurar-me

"Pára de procurar-me nos altares, nas rezas e nas procissões. Eu estou aqui. Eu já não sou aquele que adoras, aquela imagem fúnebre. Estou vivo, e estou aqui. Estou aqui em energia, numa nova dimensão.
Numa dimensão que vais ter de explorar, vais ter de desbravar, se quiseres estar comigo. Se quiseres realmente estar comigo. Eu já não estou nessa dimensão há muito tempo. Eu já não estou aí. Pelo menos este Eu que quero que conheças. Este Eu, mais inteiro, mais intemporal. Este Eu mais vibrante, energético e intenso. Este Eu de luz.
Pára de me procurar fora. Eu estou aqui. Bem aqui. Bem dentro de ti. E sempre que olhares para dentro, vais ver-me. E vais perceber que eu já não estou nos quadros com moldura antiga, ou nas catedrais.
Estou aqui dentro de ti a fazer parte da energia e a ajudar a encontrares-te e a sentires, a sentires profundamente quem realmente és."
Alexandra Solnado



quarta-feira, 7 de abril de 2010

terça-feira, 6 de abril de 2010

Espera por mim


Espera por mim.
Deixa-me estar e crescer contigo.
Leva-me ao teu lado, de mão dada, brincando nas estradas da tua vida.
Quero ver-te correr e jogar à bola contigo.
Quero acompanhar-te em cada queda, de cada vez que arranhares os joelhos, de cada vez que rasgares as calças.
Quero rebolar contigo na relva, construir castelos na areia da praia, afogar-me contigo nas ondas da imaginação.
Quero perder-me no brilho dos teus olhos, afogar-me nas tuas lágrimas e abraçar os teus sorrisos.

Guarda-me com amor na tua caixinha e procura-me sempre que quiseres, sempre que te apetecer ou sempre que precisares porque, de qualquer forma, mesmo que não saibas, mesmo que não te lembres, mesmo que não me vejas, mesmo que não te apeteça, eu vou estar contigo a zelar por ti, a dar-te o meu apoio e o meu amor incondicional, assistindo à beleza única do teu crescimento.

Deixa-me rir e chorar contigo, gritar alto as tuas alegrias ou reclamar por causa das tuas tristezas... pelas injustiças do mundo.
Ou deixa-me apenas estar, sem nada fazer, sem nada dizer, sem nada julgar... apenas estar contigo e ver o brilho do teu olhar, ouvir a pureza das tuas gargalhadas, deliciar-me com a suavidade do teu sorriso porque eu... eu existo para isso... porque eu... eu sou apenas a tua "granny".
Espera por mim! Deixa-me estar contigo!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Mesmo que não queiras...


Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim
Em cada beijo não dado
Em cada carinho não recebido
Em cada gargalhada não ouvida.
Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim.

Vais lembrar-te de mim
Em cada lugar que passares
A cada esquina que cruzares
A cada perfume que sentires
A cada som que ouvires.
Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim.

Vais lembrar-te de mim
Mesmo depois das provas destruídas
Mesmo depois das cartas rasgadas
mesmo depois das ofertas devolvidas
Vais lembrar-te de mim.

Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim
Por cada mentira que disseres
Por cada inverdade que pensares
Por cada traição que fizeres
Vais lembrar-te de mim.

Vais lembrar-te de mim
A cada beijo que roubares
A cada mulher que seduzires
A cada carícia que fizeres.
Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim.

E quando o tempo levar para longe
Todas as marcas que o amor deixou
Virá o arrependimento
Porque sem mim, ficou-te o vazio
Cada dia se tornou mais longo e frio.
E mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim.

Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim
Porque eu estive em ti
E esse foi o legado que te deixei
Mesmo que não queiras
Vais lembrar-te de mim.
Vais lembrar-te de mim!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Crónica de uma morte anunciada - II


«Embora já pertencesse à era da informática, não conseguia fazer upgrades com facilidade.
Certamente que lhe faltavam alguns módulos pois a sua incompatibilidade com o que a rodeava era cada vez maior.
Era de uma simplicidade pouco usual na sua idade mas essa simplicidade advinha da sua forma de ser e estar no mundo.
Não gostava do espampanante nem do sofisticado tendo, contudo, um quê de requinte no seu Ser.
Não se regia pelas muitas regras de etiqueta, que não dominava: por exemplo, não queria saber dos muitos talheres à volta dos pratos ou dos copos de diferentes tamanhos nem para o que se destinavam.
Era-lhe igualmente inútil saber qual a qualidade e a quantidade de vinho a ingerir durante e após a refeição.
Dispensava os empregados pois considerava que eles iriam quebrar a sua privacidade e entrar no seu espaço vital, na sua intimidade.
Tinha uma atitude prática perante a vida e perante a sociedade.
Houve porém quem de mansinho se imiscuísse na sua vida e tivesse simulado gostar de si e da sua forma de ser e de estar. E também de mansinho conquistou o que ainda restava do seu coração a pretexto de gostar dela tal como ela era mas, sobretudo, por amar a sua singularidade.
À medida que o tempo foi passando a proximidade entre ambos foi aumentando e, apesar de, por vezes, ele se mostrar desconcertado com a objectividade dela, afirmava-lhe um amor cada vez maior, desmesurado mesmo.
Reticente, ela abriu-lhe as suas portas, as suas e as de sua casa, passando ele a ser frequentador das mesmas.
Só que havia indícios, sinais... algo que não batia certo.
E, na noite de um dia, aparentemente de felicidade, tudo mudou.
Fora de portas e à socapa, ele mostrou que a tinha roubado e, num ápice, violou-a!
Não havia nada a fazer.
Por entre gritos e dor, ela barafustou, mas era tarde.
A sua simplicidade bronca permitiu a entrada de alguém vil e sem escrúpulos numa existência rotineira e honesta, que era a sua.
A violação tinha doído, dilacerando-lhe todo o seu interior; o roubo tinha-a despojado do que era seu deixando-a completamente desnudada.
E então ela decidiu fazer justiça, com as suas próprias mãos e de forma tão directa, que tudo se resolveria também de forma súbita... da mesma forma súbita com que ela tinha acordado para a realidade.
E matou-o.
Matou-o ali, naquele momento em que descobriu a fraude.
Matou-o dentro de si, tentando fazer com que a memória o acompanhasse, sem dó, cruelmente, sem perdão.
Matou-o e virou-lhe as costas para sempre, fazendo-o de maneira prática e decidida.
Castigo? Justiça? Perdão? Certamente que aconteceram, certamente que acontecerão.
Pela primeira vez ela fez um upgrade bem sucedido.
Ele? Permanece morto. Morto e enterrado na história pessoal daquela mulher.»

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Final de Verão

Este final de Verão foi diferente de todos os outros da minha vida.
Esperei por ti ansiosamente; sonhei contigo... imaginei-te dentro da minha cabeça... atribui-te um rosto inventado por mim.
Mas tu faltaste na data em que tínhamos marcado o nosso encontro.
Teimaste em aparecer depois, de forma estridente e grandiosa como, aliás, era de prever: o teu pai tinha feito o mesmo comigo... porque não o havias de fazer tu?
E então chorei. Chorei num misto de tristeza e desilusão, frustração e mais tristeza ainda.

Mesmo assim senti-te várias vezes quando, protegido, ainda te escondias de mim. Amei-te em silêncio e à distância, desejei-te e dei-te o meu apoio.

Quando finalmente me anunciaram a tua chegada atrasada e atribulada, voltei a verter lágrimas, com empenho e alegria, mas simultaneamente com a revolta interesseira de quem está longe e em nada pode participar.
Continuei a imaginar o teu pequeno rosto, o teu cheiro, a tua pele macia, suave e rosada, os teus cabelos finos... o teu choro inocente.
Virei com afinco as folhas dos dias no calendário, mas eles insistiram em passar lentos.

Assim que a razão me permitiu e o coração deixou, voei para junto de ti para ter o prazer de te sentir, de te tocar, de te agarrar e amar em presença, mesmo que fechando os olhos em êxtase para te saborear!
Voltei a marejar os meus olhos, de forma incontrolada e imberbe, assaltada pela alegria. E embora já te conhecesse de imagens, ultrapassaste grandemente as fronteiras da criação da minha imaginação e, tantos anos depois, senti-me mãe de novo como pela primeira vez: era como se revisse e revivesse o meu próprio menino.

O amor que sinto por ambos??? Indescritível, profundo, singular, incomparável, indizível, já que as palavras existentes não chegam para o fazer!
Apenas o consigo comparar ao brilho do Céu azul, ao calor do Sol, ao aroma da Terra, à frescura do Mar, ao precioso Ar que respiro.
Mas continuamos longe, fisicamente separados por imensos pedaços de terra e outras tantas gotas de mar... com todo o amor que nos liga.

Este final de Verão foi diferente de todos os outros da minha vida e permanecerá inolvidável e indelével para sempre! E isto é felicidade.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Crónica de uma morte anunciada


Qual Viúva Negra aproximaste-te de mim
Cortejaste-me com avidez e perícia
Não queria que tivesse sido assim
Vejo que o fizeste com malícia.

Com ela aprendeste a amar
De forma breve mas intensa
Contudo, apenas me conseguiste magoar
Deixando para sempre uma marca imensa.

Foi desde cedo uma morte anunciada
E aquele teu último beijo
Soube a fel, a sangue e a dor violenta

O meu coração vai paralisar, mas de forma lenta
Formalizando esse teu ensejo
Deixando de ser tudo e passando a ser nada.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Animais domésticos


A Desilusão é um animal doméstico que vive diariamente nas nossas casas e partilha a nossa vida.
Muitas vezes nasce de geração espontânea e aloja-se facilmente onde encontra uma porta deixada aberta pelo cansaço da luta, pelo desânimo da vida, pela exaustão do ser humano.
Outras vezes é por ele inconscientemente adoptada sendo actualmente o processo de adopção extremamente desburocratizado, podendo o mesmo acontecer em qualquer condição social.
A Desilusão é um animal doméstico que cresce nos nossos lares e nos nossos seres, tomando no entanto e muitas vezes, grandes proporções.
Se não estivermos atentos a Desilusão tende a consumir as pessoas sobretudo quando as expectativas das mesmas relativamente à vida e aos relacionamentos são demasiado elevadas.
A Desilusão, um animal doméstico, alimenta-se essencialmente de pequenos actos falhados, de acontecimentos diários que vão contra o que se espera, ambiciona, deseja.
A Desilusão, esse animal doméstico, também tem alguns parentes ocultos, nomeadamente o desânimo, o medo, a revolta, a tristeza e muitas vezes a solidão.
A Desilusão, esse tal animal doméstico, é também um fruto desta sociedade globalizada, em desconstrução, em desmoronamento.
Para extinguir este animal doméstico tão nocivo à saúde do Homem e que tende a voltar ao seu estado selvagem são aceites sugestões de intervenção, tais como: peditórios, manifestações, armas químicas, revoltas individuais, atitudes de insubmissão e muitas outras...
A Desilusão é um animal doméstico.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Acessórios


Tenho uma pulseira colorida
Feita de cores de esperança
Em tempos foi muito querida
Agora não passa de uma lembrança.

Tenho uma pulseira de cores
Atada com nós de desejos
Agora apenas me lembra dores
E traduz todos os meus ensejos.

Tenho uma pulseira de linha
Plena de vontades e promessas
Gasta, rasgada, partida, mas minha.

Tenho uma pulseira de luto
Que se vai perder no tempo
Sem me ter dado o seu fruto...

domingo, 24 de janeiro de 2010

Hoje


Hoje quero que me esqueças
Quero seguir em frente
para longe, mas sem pressas
Saber que não foste nem és diferente
Não acreditar mais nas tuas promessas
pois és igual a toda a gente.

Hoje, quero fingir que não te conheci
Que o meu coração não bateu por ti
E dizer-te de novo que o amor é uma quimera
Que não passa de uma léria
E tu não o tomas como coisa séria.

Hoje quero dizer-te que és cobarde
Porque finges o que não és e não sentes
Vou lembrar-te que ser sincero é virtude
Que mentir é arte de dementes
Nada que seja faculdade,
E que a honestidade não nasce de sementes.

Hoje, relembro que estou sozinha
Que a vida que inventaste não é minha
Que a luta continua e eu não me entrego
Que desisto, mas não cedo
Que a minha vontade é maior que o medo
E que a idade esconde um segredo.

Hoje vou esperar que o tempo passe
vestir-me de luto e esconder
A tristeza que me deste
e o sentimento
que não pode aparecer.

Hoje não quero ter pena de mim
Apenas lamentar seres assim
Dar-te asas e toda a liberdade
Para saberes que este é o fim.

Hoje...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Amanhã


Amanhã

Amanhã vou encontrar-me contigo
Soltar o cabelo e vestir o meu melhor vestido
E numa conversa não dita
Dizer-te baixinho ao ouvido
Que o tempo não pára
Que sou aquela maldita
Que não aceita este destino
Porque com dor nada sara.

Amanhã vou encontrar-me contigo
De olhos abertos e sorriso contido
E num gesto não feito
Quero acariciar-te o coração
Quero afagar-te o ego com a razão
E esperar que tudo o que digo
Seja por ti aceite e retido
Para jamais te dizer NÃO!

Amanhã vou encontrar-me contigo
E num jantar não realizado
Com velas e incenso
Celebrar o aniversário não alcançado...

E num espasmo de espanto
Olhar para ti e saber
Que o sentimento é forte
E vence tudo...
Até a própria morte.

Amanhã, vou encontrar-me contigo.