sexta-feira, 9 de dezembro de 2011




É oficial. É assumido. Infelizmente é real. Apesar de ter tentado agarrar-me, fui caindo, descendo, escorregando e, finalmente, bati no fundo.
Estou enterrada na lama e de momento não me consigo mover.
Fiquei emparedada em vida e estou prisioneira em consequência dos meus actos.
Estou cativa das minhas próprias ideias, das minhas vontades que, com a colaboração externa de vários seres, se foram avolumando e adensando.
Um blogue é algo do domínio público por isso, também aqui eu o assumo publicamente.
E da mesma forma quero reconhecer todas as minhas derrotas, todas as minhas frustrações, todos os meus objectivos inatingidos, todos os meus projectos que não passaram disso, todas as minhas incapacidades sentimentais, todos os meus fracassos em relacionamentos interpessoais, todos os meus excessos perniciosos de amor, todas as minhas tentativas de aproximação a pessoas que efectivamente não precisavam de mim, todas as minhas palavras espontâneas e irreflectidas, todo o meu orgulho irreverente, toda a minha aparente agressividade, toda a minha excessiva dedicação a causas perdidas... enfim, todas as minhas inúmeras falhas e imperfeições de ser humano que ainda se rege pelas emoções e pela simplicidade, pela desnecessária honestidade, colocando a maior parte das vezes o coração antes da razão.
Mas também aqui quero agradecer aos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para me empurrar um pouco mais para baixo, para todos os que, com ou sem amor, me foram ferindo e magoando, a todos os que me desprezaram, me esqueceram, me castigaram, me puniram com palavras e acções, me fizeram promessas incumpridas, me mostraram caminhos que não existem, me fizeram ter alguma esperança, quando ela não era viável, me presentearam com fugas à verdade, com omissões, com ilusões, a todos os que partiram sem se despedir de mim, a todos os que me viraram as costas...
O meu agradecimento, porque foram eles que, finalmente, me mostraram que a realidade está longe da perfeição dos contos de fadas e da construção de castelos no ar.
O meu agradecimento porque me permitiram o discernimento necessário para eu perceber que sou eu que estou errada e não os outros e, só dessa forma, poderei querer alterar o meu comportamento, a minha forma de ser, a minha forma de estar e até a minha forma de me entregar. É tempo de perder a inocência.
O meu agradecimento pois este será, definitivamente um ponto de viragem na minha vida. Porque este, será o final de um longo e decalcado ciclo.
O ano está a chegar ao fim, também ele, e a proporcionar uma reflexão, um balanço.
Também por isso, eu vou fazê-los.
E, no final deste ciclo, quando a lama se liquidificar, quando a parede se quebrar, quando o discernimento me voltar e a vontade de re-viver me visitar, eu serei qual Fénix e renascerei das próprias cinzas, feita outra Mulher, sendo outra pessoa, procurando um novo rumo.
Desta forma, também este blogue está moribundo e, ele próprio, fenecerá.
O meu obrigada...

JC - Inédito

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Morte


Fecha-se assustadoramente o cerco.
Ela não pára a sua tarefa incansável. Este ano escolheu os meus para ter o que fazer.
Tem-me levado discriminadamente pessoas e animais de uma forma e a uma cadência que me assusta e dói.
Anda à disputa com a outra que lhe é oposta, mas ainda não se decidiram quanto a mim, que nada faço por aqui, que já me cansei de tudo e cada vez me é mais difícil lidar com as perdas sucessivas, com as derrotas contínuas, com o esquecimento e com o desamor.
Talvez não haja uma sequência lógica, uma escolha criteriosa, uma selecção cuidada, regras específicas. Mas o que é certo é que vai acontecendo, de forma tão compassada que quase já me permito dizer quando e quem vai ser o próximo.
Hoje foi mais um para aquela que dizem ser a morada eterna. Eterna...
Queria colocar-me na fila, tornar-me voluntária, assim, de forma quase despercebida para ver se era contemplada, mas parece que as coisas  não funcionam desta forma, ainda que tudo me pareça aleatório.
Lidar com a morte, faz-me sentir menos viva, menos incentivada para querer continuar a ver o sol.... e a ver o sofrimento de quem fica.
Ela anda por aí e o cerco fecha-se cada vez mais!

JC - Inédito

Tempo



Precisas de tempo, dizes. Mas a que tempo te referes? A todo aquele que eu te tenho dado e parece ter sido desperdiçado? Aquele que eu nunca te tirei? Ao tempo que é insuficiente quando estamos em presença? Ao tempo convencionado pelos Homens? Ou àquele que Chronos representava? Ao teu tempo? Ao meu tempo? E, serão todos eles mensuráveis pelas mesmas medidas que eu conheço? E, como te posso eu dar aquilo que já não tenho, aquilo que o próprio Tempo já me levou?
Contínuo então presa nas teias deste tempo que me consome, que me tira porções de vivências com os seus segundos, com os seus minutos, com as suas horas, quantas vezes escassas e outras tantas, essas mesmas horas, parecem dolorosamente intermináveis.
Tempo... tempo... tempo? O que faço eu com o meu tempo, enquanto o teu tempo não passa?
Espero? Desespero? Arquitecto outros projectos? Simulo alternativas?
Por mim, dou-te aquilo que não tenho e jamais te poderei dar: todo o tempo do mundo.
Tempo... ai o tempo!!!!

JC - Inédito

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Turbilhão




Está cada vez mais ténue a cada dia que passa, a cada acontecimento que surge esta minha outra fronteira. De tal forma que eu própria me amedronto com o que possa suceder... com o desconhecido que aí vem... com o buraco em que me estou a recolher.
De tanto sentir tenho momentos em que me parece que já nada sinto pois a dor de estar viva é tão intensa, tão profunda, tão dilacerante que até o próprio acto de respirar me é algo insuportável.
A um tempo recebo sinais contraditórios e, por isso mesmo, dúbios, vindos de todo o lado de tal forma que já não os consigo interpretar.
Quero gritar mas a voz já não me sai; quero correr e fugir mas as pernas já não se mexem; quero parar de respirar mas involuntariamente os pulmões continuam o seu movimento compassado.
As ideias misturam-se e os sentimentos também se mesclam. Tudo está amalgamado e o meu cérebro dá-me ordens incompatíveis perante as informações que tem vindo a recolher e armazenar.
Quero acreditar, mas creio que não acredito. Junto peças e mais peças deste imenso puzzle em que estou inserida e muitas delas não encaixam... e das que encaixam, não gosto do resultado.
Analiso os dados uma e outra vez e tudo fica sempre mais obscuro, como se tu fosses dois... como se eu fosse duas... como se tudo fosse geminado mas antagónico.
Não consigo processar tanta informação, tanta confusão, tanta falta de conexão.
Queria parar, de uma vez por todas e ser apenas uma pessoazinha regular e inocente, com pouca sabedoria e pouca curiosidade no conhecimento. Queria ser alguém tão regular que não interrogasse cada gesto, cada palavra, cada acto que lhe surge como ambíguo.
Queria proteger-me de mim própria, do que sei que nunca me vai acontecer, do final que vou ter, do futuro que  não vai suceder.
E vou também perdendo tudo, perdendo todos.
Lenta e compassadamente todos me vão abandonando e partindo, seguindo os seus rumos, não importa quais eles sejam.
E a fronteira esbate-se... atenua-se... esvazia-se deixando-me cada vez mais isolada. Como me irei encontrar? Como me poderão saber?
Desisto de mim e de todas as esperanças que podia ter, aqui e agora...
JC - Inédito

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ponte gasta




Entre as fronteiras tão definidas
Que pensas existir
Construíste  uma ponte, 
De madeira, dizes tu,
Que palmilhas vezes sem conta.
Afinal, as tuas certezas tão ponderadas
Não te permitiram ainda permanecer
Em nenhum dos territórios
E já repetidamente consideraste
Estares do lado de lá,
Daquele que tu até nem queres
Aquele que afirmas tão inacessível,
Tão longínquo, que quase o torna impossível.
Hesitante, vais atravessando a ponte
Para encontrares pessoas diferentes
Quando, no fundo, te queres
Encontrar apenas a ti.

Vou pedir-te que transponhas essa ponte
Uma derradeira vez para me encontrares
E comigo, do tal lado, permaneceres.
Mas, nesse teu vai e vem constante
Já gastaste o fraco piso
E talvez não me queiras nem consigas alcançar.
Afirmas-te imune à dor
Aquela que por vezes inflinges
Não estarás tu a fugir ao amor
Um amor que nunca finges
Um amor que não queres sentir
E ao qual estás a fugir?

Entrega-te.
Permanece.
Não ponderes mais.
Não reflictas demais.
A ponte, já não te será necessária
E não terás que a transpor.
Fica na outra margem
Porque eu, estou cansada de te esperar
... Mas cada pessoa sabe das suas fronteiras!
JC - Inédito


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Quereres




Quero falar de sentimentos, de amar e de gostar, de duvidar e de ter certezas, de confiar ou desconfiar, de ser paciente ou não mais aguentar, de querer, de  ter ou não ter, de aceitar, de precisar, de dar e receber, de ter ciúmes, de ser egoísta, de possuir sem se apropriar, de magoar e de sofrer, de ser feliz, de poder fazer alguém feliz, de rir e de chorar, de dar e ter liberdade estando sempre ligado...

Quero dizer dos silêncios e das palavras não ditas, de conversas e de sinais, de acenos e de mensagens subliminares, de diálogos e de monólogos, de solilóquios inventados, de humores oscilados, de sussurros e de pedidos, de promessas e de compromissos...

Quero conversar de gestos e de afagos, de carinhos e de sussurros, de carícias e de afectos, de beijos e de abraços, de desejo, de partilha, de prazer, de fusão, de unidade, de profusão de sentidos e sentimentos...
Quero contar as presenças e as ausências, o caminhar passo a passo, lado a lado ou em sentidos opostos...

Quero proferir palavras sobre projectos e sobre decisões reflectidas mas sempre difíceis porque implicam escolhas que podem ou não ser racionais...
Quero ainda falar do tempo, do tempo que é necessário, do tempo que é sempre escasso, do tempo que já nos levou mais de meia vida, do tempo que nos consome e até do tempo que ainda nos resta... dando tempo ao tempo... o tempo que a minha ainda impaciência me diz não ter...

Quero conversar sobre os meus e os teus quereres, sobre os meus e os teus mereceres, sobre os meus debilitados laivos de sonhos e sobre as tuas racionalidades... Mas, acima de tudo, quero falar de mim e de ti, do que nos aproxima ou afasta e de tudo o que é possível fazer para convergirmos no mesmo ponto.
Quero, simplesmente, falar de amor sem delimitar a sua fronteira, ou então, considerar que és tu essa fronteira, sem proferir nomes, sabendo que tu és o verbo e tu és, indubitavelmente, "O" nome, apesar de todos os pesares...

Quero apenas isto no silêncio e na quietude dos nossos seres descobertos, porque o amor comanda a Vida. Vamos então falar?

JC - Inédito


domingo, 4 de dezembro de 2011

Ser paciente




Este Universo que nem sempre me tem parecido equilibrado envia-me agora uma reflectida mensagem e informa-me que é necessário ser paciente pois tudo acontece a seu tempo.

Dadas as recentes aprendizagens, as recentes e quase inesperadas alterações, entrego-me à razão e pretendo encher-me dela a fim de alcançar a tranquilidade que tanto desejo.

Talvez a sapiência advenha da paciência e esta conquiste, passo a passo, a paz merecida junto de quem pretendo.
Vou, então, seguir os indícios deste Universo que, acordou agora para mim e descobriu que eu ainda existo... talvez ele me queira dar o que sempre me deveu.
Vou ser paciente...

JC - Inédito

sábado, 3 de dezembro de 2011

Empréstimo a curto prazo



Foi o fortíssimo vento norte que me arrastou, receosa, à cimeira embora a mesma tenha sido convocada por mim. Contudo, apesar dos indícios e dos prenúncios, ainda guardava uma débil réstia de confiança, mesmo que me estivesse a convencer do contrário para me enganar e adiar um outro momento doloroso.
Os galhos e as folhagens já se tinham quebrado e tudo me parecia decadente e sem sustentação. Sei que este tem sido, indubitavelmente, um ano de perdas.
Mas apesar de todas perdas humanas que eu já tinha sofrido acreditava que já não haveria  mais nenhuma que me pudesse afectar e pensava que por estar tão ferida,  já nada me poderia fazer sofrer mais ainda... porque as receava ainda, porque temia que elas pudessem efectivamente acontecer.
Vieste também arrastado pelo mesmo vento e o teu semblante era fechado, triste, soturno. Não sabias ao que ias. Não sabíamos ao que íamos e o desconhecido causava-nos desconforto.
Não és carne da minha carne, nem sangue do meu sangue. Não trilhaste quase nenhuns caminhos comigo. Não fizeste ainda construções ao meu lado. Não participaste nos meus primeiros sonhos, nem acompanhaste a maior parte das minhas desilusões. Não conheceste as minhas poucas alegrias, nem o fabricar da minha história, nem tão pouco das minhas muitas estórias. Pouco sabes ainda de mim. Eu quase nada sei de ti. No entanto, o que inicialmente nos aproximou foi fulminante e forte, intenso e belo. Pouco sólido também. Demasiado frágil para já ter conseguido perder todos os laivos do efémero e ganhar mais consistência com o tempo. Mas, mesmo assim, tive de novo medo, muito medo, daquele meu medo já muito velho que me faz desalentar e quase ter a noção de não conseguir suportar mais perdas.
E tu, esse já pedaço de mim de quem eu não me apoderei porque ninguém se apodera de outro alguém, afastas-te, escondes-te, foges de mim de tal forma camuflada que os meus sentimentos têm estremecido vezes sem conta em tempo tão curto.
Mas a ordem de trabalhos da cimeira seguiu de forma pacífica e esclarecedora. Direi que sentimos e sofremos da mesma forma, manifestando-o, no entanto, de forma diferente porque somos seres diferentes. Mas é isso que nos aproxima e pode unir.
As vontades que, de início semelhavam paralelas, começaram a ficar difusas e a crescer de  formas diferentes, a mostrar necessidades diversas por força dos que nos rodeiam e inibem.            
Acabou sem ter terminado, esse breve encontro, ficando de novo todos os assuntos pendentes e em aberto.
O mesmo vento que me levou, também me trouxe mas, com ele, na viagem de regresso transportei o pequeno empréstimo que pedi à felicidade: um pouco de esperança.
Ainda no regresso, esculpi na pedra do meu pensamento as respostas que me deste às duas questões que te coloquei. São elas que me vão acompanhar nos próximos dias e fazer com que a escuridão se torne menos insuportável e os dias menos frios e vazios.
Hoje, contraí um empréstimo que será resgatado no futuro mas que, sei-o um pouco melhor, poderá dar frutos... aqueles dos quais, já no escuro e sem rosto, tu me falaste...
Hoje contraí um empréstimo para o nosso futuro!
Felizmente que existem ventos fortes!

JC - Inédito

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O IMPOSTO..




"Quem ama:
Não sabe do nunca;
Não busca o porquê;
Não procura o como;
Não conhece o mas;
Não se importa onde;
Não abrange o se...

Só tem certo o quem!

Quem ama:
Ama!
Mas e quem quer amar?
Quem quer essa certeza
E não a tem?

Quem procura encontrar um amor
E ser correspondido
Quando apenas sente
A chuva ácida do tempo
Lhe enrugando a face sem sentir?

Como sobreviver assim...
Selvagem de sentimentos
E sentidos,
Virgem de fé e amor?

Quem não ama...
Olha prá Lua
E se sente despido
Porque não vê beleza
Na luz da noite...
Porque não vê...

Quem não ama
Não vive,
sobrevive apenas às penas
Que a vida lhe reserva...

Amar
É pois fundamental,
Mas não conta para tempo de serviço,
Não tem preço nem salário,
Não tem direito a greve
Ou baixa por doença...

Amar é um dever da alma,
Decretado pelo coração,
E apenas tem como imposto
A felicidade!..."

Haragano, O Etéreo

terça-feira, 29 de novembro de 2011

As coisas vivas também se enterram



As coisas vivas também se enterram. Por vezes até podem ser enterradas por seres sem vida.


Por isso, vou escavar um buraco bem fundo e vou lá enterrar todos os meus sentimentos.

Para que não surjam conflitos, escavarei outro buraco, bem fundo também, em que vou colocar as esperanças, os sonhos e os objectivos que ainda me restam.

Num terceiro buraco, cavado com rigor, reflexão e precisão, colocarei todas as lembranças de todas as vivências e de todas as pessoas que passaram pela minha vida. Sobretudo as daquelas que me foram magoando.

Finalmente, se este meu corpo ainda tiver forças, criarei um último e derradeiro buraco, mais fundo do que os outros, e nele atirarei o meu cadáver, moribundo e vazio, que pretendo abandonar e com o qual me debato dia após dia.

Terei cumprido a minha vontade e poderei, finalmente, descansar e encontrar paz.

Escolherei uma necrópole para o fazer, para ninguém mais me questionar, julgar e apontar o dedo.

Assim, liberta de tudo, talvez em espírito possa encontrar a felicidade que não encontrei em matéria.

Vou escavar quatro buracos fundos…

JC - Inédito

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Se Me Esqueceres



"Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus"

Pablo Neruda

domingo, 27 de novembro de 2011



"Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. 
Esses, sim, são os bons. 
Eu só escrevo para fazer afagos. 
E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. 
E estreitar distâncias. E encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim ( e uma enorme timidez). 
Uns escrevem grandes obras. 
Eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas."

Rita Apoena


"Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava deveria existir em algum lugar do planeta. Nem se fosse apenas dentro de mim... Mesmo se ele não existisse em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor, e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas."

Rita Apoena





sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aprendi



Aprendi
Aprendi que aprendo todos os dias da minha vida:
Aprendi que ainda me surpreendo todos os dias da minha vida;
Aprendi que a mentira se sobrepõe sempre à verdade;
Aprendi que ser honesto e sincero não compensa;
Aprendi que há sempre quem nos engane, mesmo quando o contrário é afirmado;
Aprendi que não devemos confiar em quem nos engana;
Aprendi que nem sempre o amor vence todas as barreiras;
Aprendi que em cada dia um novo sofrimento nos espera, mesmo quando achamos que já sofremos tudo;
Aprendi que  nem sempre a atitude positiva nos conduz aos nossos objectivos;
Aprendi que a inteligência é inimiga da felicidade;
Aprendi que a felicidade é efémera e ilusória;
Aprendi que a ilusão apenas ajuda a adiar a infelicidade;
Aprendi que de um momento para o outro passamos de bestiais a bestas, sem nada fazermos;
Aprendi que nem toda a gente merece a nossa amizade ou o nosso amor;
Aprendi que o rosto de cada pessoa corresponde a uma máscara que não conseguimos penetrar;
Aprendi que a vida é um jogo sem regras onde nem sempre ganha o melhor;
Aprendi que nem sempre as regras são bilaterais; 
Aprendi que a persistência apenas conduz ao sofrimento;
Aprendi que o querer não é poder;
Aprendi  que a incerteza é a única certeza que possuímos;
Aprendi que há projectos inconcretizáveis, pessoas inacessíveis e barreiras intransponíveis;
Aprendi que é sempre possível brincar com os sentimentos alheios;
Aprendi que homens e mulheres são seres  de origens diferentes;
Aprendi que o silêncio magoa mais do que quase todas as palavras do mundo;
Aprendi que a mentira magoa tanto como o silêncio;
Aprendi que a distância física entre duas pessoas apenas existe quando é imposta por uma delas;
Aprendi que há coisas que queria não saber;
Aprendi que a esperança pode morrer antes do tempo;
Aprendi que não quero sofrer mais, mas que nunca o consigo evitar;
Aprendi que não podemos ignorar o que nos magoa;
Aprendi que nunca serei compreendida;
Aprendi que, mesmo com todas as aprendizagens feitas, há erros que são repetidos.
Aprendi?
Aprendi... que ainda não sei o suficiente.

JC - Inédito

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Três meses


               

                Já passaram quase três meses mas a cada dia que passa, tudo pesa mais, tudo é mais crítico.
                Mentiram-me, repito, ao afirmarem que tudo se torna mais suportável com o passar do tempo.
             Estou zangada, muito zangada, cada vez mais zangada contigo e com o mundo, zangada com esse suposto deus que continua a ignorar-me e não me contempla nos seus actos de bondade. Estou zangada até comigo por esta minha impotência, por esta minha incapacidade de aceitação desta condição, por este meu penar que se adensa à medida que tu estás cada vez mais distante. Estou zangada com este desamor, com este abandono, com esta falta de afecto, com o teu esquecimento, com a tua partida.
              Sempre considerei que era forte, mas verifico agora que sou muito fraca, demasiado frágil até para poder gostar de ser quem sou e para admitir a situação.
                Nos primeiros dias depois de teres ido regozijava-me olhando para as nossas fotos, alegrava-me reviver os mil momentos que vivemos juntos. Agora não consigo tão pouco olhar de soslaio para essas mesmas fotografias pois elas despertam-me as lágrimas que estão iminentemente à espreita, no cantinho dos meus olhos. Não as quero ver para não ter que me lembrar de ti, para fingir que me estou a esquecer, para dissimular a dor que tanto sinto.
               Ainda assim, ainda assim não há hora em que tu não povoes os meus pensamentos ou em que tu não entres em cada conversa minha.
             Os dias não são fáceis. O lidar com tudo o que deixaste é ainda mais difícil. O enfrentar o mundo é penoso. O ter que decidir o que deixaste pendente é quase impossível.
              As noites também são complexas. Não consigo dormir, noite após noite, após noite e aproveito essa insónia para inventar momentos alternativos, para criar estratégias de compensação, mas tudo é em vão. Porém, quando o sono, breve, aparece e me consegue finalmente transportar para uma outra dimensão, tudo é horrendo e ainda mais dolente. São pesadelos imensos onde tu és personagem principal e tudo se adensa e mescla em gritos e lágrimas, suores e calafrios, delírios inimagináveis. Depois, quando acordo, sinto-me exausta e incapaz de enfrentar mais um dia em que tenho que aparentar uma boa disposição que não possuo, um sorriso de que já me esqueci, uma esperança que já morreu e um mundo de gente que quase não suporto.
               É assim que eu estou, neste desânimo, neste imenso desalento, neste descrédito  de vida, nesta desesperança e neste cansaço que nem pode ser considerado viver.
               Tenho ido visitar a tua nova morada e, contraditoriamente ao que aconteceu das primeiras vezes, estou a gostar de o fazer. Há uns dias atrás, quando lá estive, depois de ter havido tempestade, tudo estava calmo e a luz aproximava-se do brilhante. Quase tive vontade de dizer que o lugar estava bonito e em paz. Certamente não estou bem.

              Os dias vão continuar a passar  e possivelmente cada um que conseguir acontecer, será uma aprendizagem... ou uma nova dor, ou mais um desalento.
               Sei apenas que, aconteça o que acontecer e independentemente do tempo  que passar, nada será o que foi e tu... tu nunca sairás de dentro de mim!!!
                Tenho saudades tuas porque tu partiste mas eu contínuo a amar-te!
JC - Inédito

                

Como a noite é longa !



Como a noite é longa !
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p'r'ao pé de mim...
Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido !
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...Que é feito de tudo ?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sentado na lua




Sentado na lua continuas
Nessa tua busca doentia e desenfreada
Por uma mulher que fisicamente te preencha
Mas que, no interior, não te diga nada.

Queres uma de algum país distante
Que te saiba seduzir e encantar
Que te prometa o mundo inteiro
Para, efectivamente, tudo te pedir e nada te dar.

Galanteias e seduzes todas elas
Usando todas as línguas estrangeiras
Pois estrangeiro tu também és
Agora, ali e de todas as maneiras.

Fico por aqui, nesta minha pequenês
E desisto de te conquistar
Não entro no teu jogo insalubre
De te fazeres triste, apenas português
Para assim, sempre, poderes continuar.

Falo línguas, sim, também as sei
Porém, a língua que eu falo
É a única que tu não entendes
Pois a verdade e o amor
A dedicação e a honestidade
Não fazem parte do que pretendes.

Passa bem, muito sucesso e alegria
Espero que encontres em 
tantos bares, pubs e outros sítios
Muitos conhecimentos nessa tua mania.

Estou noutra  onda
E, por isso, não temos sintonia.
Lamento o tempo tomado
E toda a minha ilusão
De um dia ter acreditado
Que também tinhas coração.

Adeus.
Fica sentado na lua
Que eu, pertenço à terra
Não ergo castelos no ar
Ou faço disso a minha guerra.
Adeus cavaleiro do nada!
Adeus alucinado
Adeus...


JC - Inédito

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

AUTOPSICOGRAFIA



"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração."

Fernando Pessoa

Tabacaria (trecho)



"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Álvaro de Campos

Começo a conhecer-me. Não existo



"Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos
no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato."

Álvaro de Campos

"O que nos ajuda mais a conservar e manter a nossa força é o facto de sermos amados; e o que se lhe opõe mais é o facto de termos medo. O medo é mau guarda da nossa longevidade; a benevolência, pelo contrário, é fiel e dura até à eternidade."

Marcus Cícero

domingo, 20 de novembro de 2011

Tomorrow...



Have I gone mad
Or am I just confused and sad?
I'm not in alice's wonderland
But all my feelings are grand.
When I dream is all so real
And all the reality seems so unfair
That I don't understand
All this nightmare.
Perhaps I must leave
What I feel in my heart
And only listen the voice
Of my head.
I'm the queen of a dying kingdom
And I fight in battles of my own
With ineffective weapons
Called love and hope,
Affection and trust.
Tomorrow will be another day
Maybe will appear another new faith
And I'll catch more answers
For the questions I don't dare to ask
And maybe, just maybe
I'll finish all those things I have to do.
Tomorrow, no matter in what land
I'll want to find
The real gift of my life
And all the wisdom
To be able to accept
What destiny reserves to me.
Tomorrow...

JC - Inédito




sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Morfologia Imperfeita




Brilhas, mais-que-perfeito,  
Do que o próprio sol
Mas encerras segredos remotos
Que me ocultas e escurecem
Em viagens que afirmas não querer
Realizar
Há sempre motivos misteriosos
De agente secreto
Que te arrastam e afastam de mim.
Isolas-me, assim.
Confundes-me, também.
Baralhas-me, ainda
Transformando-me em apenas
Mais uma peça
De um imenso dominó.
Angustias-me com a angústia
De quem se sente perdida
De quem se sente embarricada
De quem não compreende
A vida e o mundo...
Surgem também as imprecisões
As vontades e as adversativas
Que me inibem o futuro próximo
Me transportam a um passado recente
Me descoordenam os pensamentos
Me condicionam os sentimentos do presente
Com locuções que tenho que aceitar.
E nesta gramática imperfeita
Em que sou sujeito
Sem grande predicado
Vou esperando
Um dia me transformar
No teu planeta solar
Na tua única dependência
Na tua melhor experiência
E o Verbo do teu sentir
Para sempre poder alterar.

JC - Inédito


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Embarcação encalhada


Ao longe, continuo a vê-la passar sem nada conseguir fazer. Tento sempre, mas não consigo. A maré não sobe nunca o suficiente para que eu a possa alcançar.
E assim permaneço, através dos tempos do tempo, enquanto tudo me foge, enquanto ela se esvai.
Estou esgotada. Estou exausta desta tentativa constante de conquista de marés favoráveis sem que elas  me aconteçam.
Nunca sou o suficiente. Nunca sirvo o bastante. Nunca alcanço o razoável. E nunca saio do sítio, uma e outra vez, por mais marinheiros que apareçam, por mais marés que aconteçam.
E exausta, depois do meu interior, também o meu exterior vai apodrecer com a intempérie.
E, de soslaio, ela acena-me com maldade e ironia, mostrando-me o que nunca poderei ter.
É assim, a vida... cruel!

JC - Inédito


sábado, 12 de novembro de 2011

Condições... condicionantes




Não vivemos sozinhos, ainda que possamos nos sentir isolados. Há sempre seres à nossa volta e nascemos numa família que não tivemos oportunidade de escolher. E, sem querer também, vamos condicionando a vida dessas outras pessoas, da mesma forma que elas também condicionam a nossa... para o mal e para o bem.
E montados no alto do nosso imenso pedestal de sabedoria ou de ignorância, a nossa existência, com as nossas atitudes, condicionam a vida dos nossos filhos... porque a nossa também já foi condicionada pelos nossos pais.
É involuntário, a maior parte das vezes. Impensado, até, mas o facto é que acontece. Com a nossa infindável sapiência ou com grande camada de agnosia, cremos ter as atitudes correctas junto de quem amamos, junto dos pais, junto dos filhos... e muitas outras vezes goramos as expectativas... as deles e as nossas.
Assim, nem sempre o resultado final é o melhor ou tão pouco o desejado. Sobram as mágoas, as frustrações, os traumas. Surge também alguma dose de infelicidade ou de revolta, de quando em quando. E questionamo-nos. Reflectimos... mas nada há a fazer pois o passado já acabou, embora tenha sido determinante para o presente fugaz que vivemos e ainda preponderante para o futuro que, breve, se aproxima.
Todos lutamos pelo mesmo, todos procuramos o mesmo. Atribuirmos-lhe nomes diferentes. O objectivo pode até ser diferente, mas o princípio que encerra é, indubitavelmente o mesmo.
E, condicionados e condicionantes, assim vamos prosseguindo numa busca que, muitas vezes é cessada pelo destino antes de termos tido oportunidade de concretizar o que pretendemos.
Este, é, um ciclo ao qual não conseguimos escapar.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Loucura




Se for loucura querer fugir do vazio
Então quero ser louca
Mas parece que nesse percurso
Conduzo sempre em contramão
Pois vejo a minha vida esvair-se
Em cada inusitado buraco
Em cada insólita colisão.

Condicionada pelas minhas escolhas
Colho frutos de vida envenenados
Que me contaminam e ferem.
E insisto que a minha existência
Deverá ser mais do que a soma
De todos os erros que cometi
Sem dar resto zero.

Porém as contas que agora faço
Estão longe de estarem certas
E nestas palavras largadas ao vento
Não encontro grande efeito
Não vejo grande alteração
Ainda que, sem querer
Revele parte da minha discrição.

E nela, porque sou fraca, entras tu
Distante, enigmático, eclético
Misterioso e impenetrável, por vezes
Imune e inacessível, outras tantas
E com o teu jeito singular
Fazes-me perguntar:
Onde guardas o teu amor
Onde escondes o teu sentir
Que me causas tanto pesar.

E o vazio continua
Mas a fuga também
Não quero ir em transgressão
Não quero perder mais vida
Porém, vou continuar
Até um caminho encontrar
Até uma resposta obter
Até te conseguir penetrar
Até conseguir 
O teu coração amolecer.

Será, então, loucura
Querer fugir do vazio?



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Epifania



Numa destas noites escuras de insónia
Algures, entre o sono e a vigília

Eis que tive uma  visão  
E fui visitada no meu humilde templo
Para me falarem da minha ingratidão!


Veio um bando de anjos
Logo seguido de querubins
Que traziam ao seu lado
Muitos outros serafins
Todos eles muito puros e belos
Trazendo mensagens de amor e esperança.

Eis que me abraçam e recebem
Nos seus imensos braços alados
Mas, todos eles, tristes, coitados
Disseram ser entes limitados:
Uns eram cegos, outros surdos
Outros ainda eram mudos mas
Vieram explicar-me as suas funções
Dizer-me que não estou sozinha neste mundo
Mostrar-me que o que tenho
É muito, favorável e profundo
E que eles, mesmo cegos
Mesmo surdos e mesmo mudos
Me guardam e protegem
Me impelem, amparam e dão alento
Para eu atingir os sonhos 
Que ainda tenho cá dentro.

E eu, do alto do meu pagode
Fiquei triste e envergonhada
Por ser egoísta e ingrata
Por não dar valor ao que possuo
Por querer muito, ser exigente
Por querer o amor e a perfeição
Por parte de toda a gente!  

Baixei os olhos e caí em mim
Acordei do tal sono meio profundo
E, desde logo, alarguei o meu mundo.
Os meus devaneios e querer eu mudei
E agradeci tudo o que já conquistei.

Então, depois desta epifania
Muito pouco vou ansiar
E quieta vou permanecer
Esperando, agora, sem pedir
Que tudo o que desejo
Me possa um dia acontecer!

Já de olhos bem abertos
Despedi-me dos muitos anjos
De todos os querubins e serafins
Que, imediatamente em coro
Lindos cânticos entoaram se despedindo
Mesmo cegos, mesmo surdos e mesmo mudos
Para outro microcosmos foram partindo
As asas batendo e os largos sorrisos abrindo.

Adeus meus anjos, adeus meus serafins!



segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Pedido a Deus



"Deus
Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais."

Clarice Lispector

"Não há longa noite que não encontre o dia."

William Shakespeare 

Fabuloso Império do Nada



De facto tomamos um rumo
Em direcção ao fabuloso Império do Nada
Onde tu és o imperador e onde imperam
As tuas leis que mudam
Em cada alvorada.
Mesmo assim, o caminho escolhido
É sinuoso, incerto, tortuoso
Podendo ser diferente, escolher
A linha recta e ir sempre em frente.
Não entendo, não percebo, não aceito
Este sofrimento que me é imposto
E que oscila entre o Tudo e o Nada
A promessa e o incumprimento
A expectativa e o desalento.
E caminho
Desorientada e sempre em sofrimento
Analisando as bermas da estrada
E não encontrando o reconhecimento
Nem o carinho, nem o amor
Que um dia me fizeste acreditar
Seres tu, aí sim, o Imperador!
Nada importa, nada vale, nada interessa
Finjo agora, como tu
Acreditar em cada passo percorrido
Em cada trilho ultrapassado
E aceitar o teu ditado.
Certamente estaremos quase a chegar
Pois ao longe, já vislumbro esse lugar
Feito do teu vazio e do meu receio
Do teu escuro e do meu passado
Que se repete, qual maldição
Qual praga, que me persegue e não larga
Que me castiga e maltrata.
Irei, talvez, continuar a caminhar
Por este caminho incerto
Em direcção a esse lugar
E, quem sabe, um dia irei conhecer
Algo mais do que o Nada e Coisa Nenhuma
E alcançar, finalmente
Alguém que me ame e compreenda
E que por isso, não me magoe nem ofenda
Me queira com eu sou
Sem dote, riqueza ou condição
Que não seja aquilo que transporto
Bem cá dentro, no meu coração.
Vou, talvez, caminhar...