segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pintando com palavras


“Aguarela”

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo…

Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva…

Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu…

Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…

Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar…

Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar…

Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida…

De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo…

Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está…

E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar…

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá…

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(Que descolorirá!)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(Que descolorirá!)
Giro um simples compasso
Num círculo eu faço
O mundo
(Que descolorirá!)

Toquinho

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Disfarce de vida





Liberta-te, escravo involuntário da vida levada a sério
Pois mesmo sem saberes
O tempo da opressão também é feito por ti.

Entrega-te com afinco à dissimulação
E finge não sentires essa dor que te apaga
Sem hipocrisia aprende o prazer da existência fácil
Sem pensar, sem exigir, sem querer
E disfarça o teu sofrimento com risadas
Ocultando as lágrimas ensanguentadas do teu querer.

Não te anules, mas vive como se fosses outro
Encobre a tua ira com gestos doces
Não lamentes o que não tens
E elogia o que possuis
Porque esse teu dom... não vais permitir que to roubem
Pois mesmo sendo outro
Não deixas de ser tu
Tens o teu mundo interior
O teu desejo e a tua força
O teu conhecimento e o teu invento.

És agora um homem livre
Com a luz no lugar do esquecimento
Com a alegria no lugar da tristeza
Erguido, firme, hirto
Determinado mas impotente
Perante o castigo exigido e imposto.

Ri da tua dor. Acende as luzes da tua ribalta
Acena com bravura aos demais, ignorantes
Sorve com avidez o ar que neste momento te envolve.

E, num gesto mudo, continua a gritar para ti:
Sou livre neste Mundo!

sábado, 14 de agosto de 2010

Fala-me



Fala-me do teu sonho
Daquele que foi por ti mutilado
Conta-me como o sonhaste
Como ele era antes desse acto acabado.

Refere-me se era sobre Paz, Amor ou Ódio
Sobre Dinheiro ou Poder
Ou se era simplesmente
A tua imaginação a crescer.

Diz-me quem to roubou
Explica-me porque assim ficou
Verbaliza porque não se realizou
Comunica-me porque acabou.

Deixaste de nele acreditar
Ou simplesmente o quiseste matar
E desististe, por ser ambicioso
E demasiado difícil de alcançar?

Assim, quando eu souber dele
Talvez te possa ajudar
A um novo sonho reconstruir,
A um novo sonho sonhar.

E se eu um dia o conhecer
Quem sabe se eu não te posso contar
Como fingir viver um sonho
Um sonho sempre por realizar?

Porque viver em Paz é ainda possível
Mesmo não vivendo a tal vida, porque inatingível
Pois a imaginação pode ser fértil
Mas o desejo inútil.

Fala-me do teu sonho!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Limpezas



Estou a aproveitar o Verão para fazer limpezas, para deitar fora todo o lixo que, indevidamente, guardei até agora. Não me refiro à simples limpeza da casa, actividade essa tão fácil e desprovida de verdadeiro empenho.

Refiro-me, isso sim, à minha limpeza interior, à limpeza da minha memória já que nela guardo lembranças que são puro lixo, de outras tantas pessoas que não passam disso mesmo!

Para quê ocupar espaço dentro de mim com informações obsoletas, memórias dolentes e tristes de quem nunca valeu esse privilégio?
Elas são autênticos resíduos tóxicos que se disseminam por todo o meu ser, correndo pelas veias e saindo, a custo, pela pele em jeito de hematomas.

Estou a abrir as janelas da minha alma, a arejar o sótão da minha lembrança e a sacudir todo o pó, todas as teias de aranha, a desfazer-me de todo o lixo guardado ao longo de décadas!
Esfrego com determinação e detergente feito de indiferença todas as nódoas negras deixadas no halo do meu ser. Obtenho assim, certamente, espaço livre, limpo e liberto para verdadeiras, belas e valiosas aprendizagens, que sejam plenas de energia.

É que todo o processo de arrecadar lixo ao longo dos anos, tem-me desgastado, conspurcado e sugado as energias positivas que possuía, a alegria e os sonhos.

Chegou a altura de colocar um ponto final a essa minha atitude pouco inteligente de deixar entrar na minha vida gente perdida que me faz perder tempo, que me rouba sentimentos e vontade e que como recompensa, me deixa cheia de detritos emocionais sem nada de bom me ter ensinado.


Basta! É tempo de limpeza! Não quero mais tristeza nem bossas de herança! Não quero sentimentos nem sensações inventadas... quero uma vida limpa de falsidade, perfumada de amor e verdadeira nos sentimentos e sentires... sem sedimentos de dor.

O sótão da minha memória estará imaculado, prometo-me que sim, dentro em breve; a minha vida, essa, segue em frente sem necessidade de ser povoada por duendes feios, falsos e feitos de mentira.
A solidão é, afinal, a melhor de todas as conselheiras, talvez de todas as purgas e limpezas.

Vou continuar a aproveitar o Verão!