segunda-feira, 26 de março de 2012

De que é que Depende a Felicidade?



"Ser feliz. De vez em quando, discretamente, pudicamente, ergue-se em ti ainda esta velha aspiração. Mas já não são horas de o seres, seriam só de o teres sido. De que é que depende a felicidade? O que falhou avulta quando enfrentamos a pergunta. Mas só se não tivéssemos falhado saberíamos se foi isso que falhou. Sei o que falhou mas não sei se o que falhou foi isso. A felicidade ou infelicidade têm a sua escala de grandeza. Tenho os meus motivos grandes mas os pequenos absorvem-nos. Problemas do destino, da verdade, do absoluto que desse a pacificação interior. Mas eles apagam-se ou esquecem com uma simples dor de dentes. Assim eles me avultam apenas quando essa dor se apazigua. Que dores menores me pontuaram a vida toda? Do balanço geral há o que somos para os outros e o que somos para nós. Ser feliz. Possivelmente o problema está num dente cariado. Sei o que falhou.
Não sei o que falharia ainda, se o mais não tivesse falhado. Que falsificação de nós inventamos para os outros que no-la inventaram? Ter grandeza no que se sofre para ao menos nos admirarem o sofrimento. O que sofri entremeado ao público sofrimento não tem grandeza nenhuma. Precisava bem de saber se a minha verdade definitiva não está aí. Ou ao menos a condição de tudo o mais. Para me negar radicalmente na obscuridade de mim. Para saber definitivamente o que vou entregar à morte. Porque pode ser só aquilo de que a morte tomará posse, sem restar nada de que tomem posse os outros."

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4"

domingo, 25 de março de 2012

Eu




"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!"

  Florbela Espanca in "Livro de mágoas"

sábado, 24 de março de 2012

Não sei viver


Não, não sei viver
Com todo este amor que tenho
Com todo o amor que me falta
Com tantos factos que me engolem.

Não, não sei viver
Com todo este esquecimento
Com tanta escassez de entendimento
Com todo este sofrimento.

Não, não sei viver
Com os meus sonhos desaparecidos
Com os pesadelos em que continuamente me agito
Com este excesso de mágoa
Que, hostil, me esgota.

Não, não sei viver
Neste grande deserto de mim
Neste infindo caminho que percorro
Sem chama e sem trilho
Nesta vida em que estou
Há muito já sem brilho.

Não, não sei viver
Com esta falta de gente, que parte
Com tanta gente em excesso que me esquece
Com tudo o que tenho e não quero
Com tudo o que quero e já não peço.

Não, não sei viver
Sabendo que já não sou capaz,
Que a existência me esqueceu
E deixou para trás
Que o desejo, por fim, acabou,
E o tempo que resta é demasiado curto.

Não, não sei viver
Não sei navegar mais neste rio turvo
Onde remo com esforço  sempre ao contrário
Neste batelão furado que carrego
Com o peso deste fardo que não aguento...

Não, não sei viver!!
E não há quem me entenda
Quem seja capaz
Me segure e pretenda
Me ensinar, comigo ficar
E mostrar que vale a pena existir.
Não, assim não sei viver!!
JC - Inédito

quinta-feira, 22 de março de 2012

GUERRA CIVIL



"É contra mim que luto.
Não tenho outro inimigo.
O que penso
O que sinto,
O que digo
E o que faço
É que pede castigo
E desespera a lança no meu braço.

Absurda aliança
De criança
E adulto,
O que sou é um insulto
Ao que não sou;
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou.

Infeliz com loucura e sem loucura,
Peço à vida outra vida, outra aventura,
Outro incerto destino.
Não me dou por vencido,
Nem convencido.
E agrido em mim o homem e o menino."

MIGUEL TORGA, in ORFEU REBElDE

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lembranças...



Lembro-me com um sorriso
Do nosso primeiro encontro
Do lugar agradável em que o fizemos
Das tuas primeiras palavras, atrasadas
Da tua voz, timbrada, segura e jocosa
Dos meus imensos nervosismo e cepticismo
Do tempo interminável que esperei por ti;
Lembro-me do nosso primeiro dia
Do muito sol que brilhava, do intenso calor que estava
Da nossa primeira conversa trocada
Da nossa primeira bebida tomada
Do nosso primeiro passeio, que fiz já sem receio;
Lembro-me do teu cheiro
Do teu riso controlado
Da tua moléstia inesperada;
Lembro-me do nosso primeiro toque de mãos
Do clique que senti sem tu ouvires
Das endorfinas instantaneamente  libertadas
Do nosso primeiro beijo trocado já no escuro
Do nosso primeiro abraço, imenso, apertado
Da esperança que, súbita, apareceu sem eu querer.
Tudo está registado, gravado na minha memória
Mas hoje, tenho apenas essas lembranças
Como simples miragem
De um sonho que não se realizou
De mais um engano que por mim passou
De um projecto que disso não passou.
Lembro-me...
JC - Inédito



segunda-feira, 19 de março de 2012

Dia do Pai


 Hoje foi o teu dia.
O meu primeiro dia "teu" sem tu estares. É claro que foi difícil vivê-lo sem ti... foi mesmo muito difícil!
O tempo tem passado mas eu ainda não me habituei à tua ausência (não sei se algum dia me irei habituar); não me consigo acostumar ao grande vazio que tu deixaste, mal sou capaz de aqui permanecer sem ti: é tudo tão estranho, tão sombrio, tão desprotegido, tão sem sentido...
E à medida que os dias passam, sei que cada vez estás mais distante, que a saudade dói cada vez mais e que cada vez estou mais longe do que queria...
Tal como me recomendaste, tenho continuado a caminhar apesar de os caminhos serem sempre nublados e incertos, abismais, por vezes. Mas estou fraca... cada vez mais fraca. Toda a fraqueza que eu já queria ter ultrapassado é forte de mais para eu conseguir negá-la... para eu conseguir prosseguir sem perder os meus intentos...
O ano passado ofereci-te em mão um postal dizendo que tu eras o meu porto de abrigo; hoje levei-te uma coroa de flores.
O ano passado dei-te um abraço longo e apertado seguido um beijo grande e disse-te o quanto te amo; hoje chorei na tua campa e as saudades deixam-me um nó no peito, porque o amor continua cá dentro.
Hoje já não tenho porto de abrigo numa vida onde tudo se complica e onde todos os que eram suposto honrar os teus princípios estão a afastar-se... 
Sem ti, tudo está longe, desgovernado, abandonado. Até eu.
Sei que é a dita lei da vida; sei que, por natureza, os pais abandonam os seus filhos e partem para não mais voltarem, mas creio que devia existir uma lei que proibisse os pais de morrerem... seria tão mais fácil!!!
Talvez te esteja a desiludir com toda esta minha fragilidade, com todo este abatimento, mas nunca me ensinaste a lidar com a morte e nunca me disseste que ia ser tão doloroso!
Hoje, agora, quero apenas dizer-te uma vez mais o que te disse várias vezes de viva voz: que tu és um pai inigualável, que me orgulho muito do Homem que tu és, que me ensinaste quase tudo o que sou e, sobretudo, que te amo muito de uma forma como só uma filha sabe amar um pai.
E, independentemente do lugar onde tu estás, onde quer que estejas, sabê-lo-ás.
Hoje, foi o teu dia paizinho e eu amo-te!

JC - Inédito

quinta-feira, 15 de março de 2012

Para que serve uma relação:


"Algumas pessoas mantêm relações para se sentirem integradas na
sociedade, para provarem a si mesmas que são capazes de ser amadas,
para evitar a solidão, por dinheiro ou por preguiça.

Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com
outra pessoa; à vontade para concordar com ela e discordar dela, para
ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar,
pregado.

Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de
mãos dadas, para ter alguém que instale o som novo enquanto você
prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país
distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio sem que nenhum dos
dois se incomode com isso.

Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se
produzir, e, quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara
lavada e bonita a seu modo.

Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas
suas inquietações, para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças
que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem
demais, mesmo em casa, principalmente em casa.

Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num
momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de
melancolia, e cobrirem o corpo um do outro quando o cobertor cair.

Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro no médico,
para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho
e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo,
cientes de que o mundo não se resume aos dois."

Drauzio Varella

terça-feira, 13 de março de 2012

DEUS SEGUNDO SPINOZA



“Pára de ficar rezando e batendo no peito!
 O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais-me dizer como fazer meu trabalho?

Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como te posso culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.

Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um placar

Ninguém leva um registro.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso-te dar um conselho. Vive como se não o houvesse.

Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não te vou perguntar se foste comportado ou não. Eu vou-te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.

Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Pára de louvar-me!

Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.

Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.

Te sentes olhado, surpreendido? Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres?

Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti."
Baruch Spinoza.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Metade de mim


"Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também "
Ferreira Gullar

domingo, 11 de março de 2012

Não És Tu



"Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.

Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume ,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não és tu... ai!, não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti."

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'

Correr Riscos


"Rir é correr o risco de parecer tolo.
Chorar é correr o risco de parecer sentimental.
Estender a mão é correr o risco de se envolver.
Expor seus sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu.
Defender seus sonhos e ideias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido.
Viver é correr o risco de morrer.
Confiar é correr o risco de se decepcionar.
Tentar é correr o risco de fracassar.
Mas os riscos devem ser corridos, porque o maior perigo é não arriscar nada.
Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas elas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!"
Séneca

sábado, 10 de março de 2012

As árvores morrem de pé




Nasci em terra árida,
Semente de nada
E rapidamente em nada me tornei.
Cresci, ramifiquei, floresci,
Quem sabe se amei...
Construi, erigi, partilhei, 
De certeza que respirei.
Pouco tive, pouco consegui, quase nada conquistei
Poucos me conheceram, inúmeros me quiseram
Contudo, nada me deram.
E o tempo tudo me levou
O destino, breve me sufocou
E a dor, bruta e ardilosa, cómoda se instalou.
Fui eixo, fui mulher, deitei sementes
Em terrenos inférteis, inconsequentes.
Passaram os anos, acabaram as forças
Findaram as esperanças
Acabou-se a vida, terminou o meu ser
De tanto lutar, desisti
Porém, sem ramagem e sem folhas
Sem frutos ou sementes,
Sem esperança ou pretendentes
Continuo erguida, para incómodo de muitos,
Mas por pouco ainda permaneço...
Sou árvore e morro em pé!!

JC - Inédito
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sexta-feira, 9 de março de 2012

E se...



E se um dia eu encontrasse
Longe das minhas convicções, a felicidade...
E se um dia eu experimentasse
O prazer da carne aliado ao prazer da alma...
E se um dia o tempo parasse e me deixasse
Ficar junto a ti
Assim, para sempre
Fundidos num só...
E se um dia tu me descobrisses
E me amasses como eu te amo
E me quisesses como eu te quero
E te embriagasses de mim
Bebendo tudo o que eu sou
Em sorvos contínuos...
E se um dia  encontrasses
Junto a mim, o rumo que perdeste
O caminho que não sabes
A vontade que não tens...
E se um dia vencesses a tentação
De perder, de ficar
E a chama voltasse
E a vida regressasse...
Oh... e se um dia tudo isto acontecesse!!!!

JC - Inédito

segunda-feira, 5 de março de 2012



Solto gritos que ninguém ouve
Para abafarem a minha dor
E, no silêncio
Procuro respostas para o que não entendo;
No escuro
Procuro uma luz que me oriente;
No vazio
Procuro o que me preencha.
Mas a palavra não surge
A luz não brilha
E o vazio apenas é preenchido
Com mais vazio e descontentamento.
Estou cansada desta incessante missão
De cada passo dado em frente
Não ser um avanço
Mas um novo recuo.
Cansada da racionalidade controlada
Dos sentimentos descontrolados
Da vida desajeitada.
Mas vou continuar a gritar
Até que a minha voz seja ouvida
Até que a alma deixe de me doer.
Até que a esperança já não queira morrer.
Estou cansada...

JC - Inédito

sexta-feira, 2 de março de 2012

Ilusão Perdida



Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.

Depois dum amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado

na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto,
fiz-te doçura do meu coração,

agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.

Pablo Neruda
, in 'Cadernos de Temuco'