segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Buenos Aires, Lisboa,  Milão,
Legñano,Veneza, Badajoz, Madrid
Tanto mundo lá fora, onde estive contigo
Por vezes só em pensamento
Quase sempre sem sair daqui.

Recordo, revivo, revejo tudo...
Mesmo cada simples momento
E todos eles me causam este sofrimento!

Peço, então, a Deus que me ajude
A um deus em quem não acredito
A um deus que eu não conheço
A um deus que me abandonou.
Peço-lhe que me auxilie
Neste desconforto infindável
E que me deixe esquecer
Que me ajude  a não ouvir
Que me me faça não ver
Quem por mim passou, me marcou e partiu
Mas em mim seu sinal indesejável
Para sempre deixou.

Peço a Deus que me oiça
Que se renda, se mostre e substitua
Todas as cidades em que contigo estive
Por um oásis de verde vestido
Para que então possa festejar
E, finalmente, de nada me lembrar!
JC - Inédito
                         

sábado, 8 de setembro de 2012

Devolve-me o que me pertence



Devolve-me tudo o que me roubaste
Tudo o que te dei.
Devolve-me os meus beijos e os carinhos
Que contigo levaste.
Restitui-me os sorrisos, a cumplicidade
A partilha que tivemos
Em momentos únicos de felicidade.
Volve-me a esperança
Que me arrancaste
Juntamente com a confiança
Que contigo levaste.
Recambia-me todas as palavras que te disse
Os versos que te dediquei
Os segredos que a ti confiei.
Dá-me aqueles projetos que construímos
Os desejos que juntos formulámos
O futuro que não erigimos.

Eu... Eu devolver-te-ei o que me confiaste
Em palavras soltas,
Em poemas declamados,
Em beijos roubados
Em fugidios instantes vividos.
Dar-te-ei tudo o que me  deixaste:
As insónias e as lágrimas
As expectativas e as desilusões
As horas de espera e as decepções
As alegrias e as memórias
As viagens e os trajectos traçados.

E as contas ficarão saldadas
Para, depois, tudo poder arrumar
Num cofre escondido e selado
Para que nunca mais
Em ti tenha que pensar
Para que nada mais
Tenha que reviver
Para que de ti
Não tenha que mais me lembrar
Não tenha que mais te querer.
Devolve-me o que me pertence!!

JC - Inédito

quinta-feira, 23 de agosto de 2012


               Sempre presumi que te reconheceria assim que te  visse. Cheguei a sonhar contigo, quando ainda as ilusões frequentavam o meu querer. Pensei que poderias fazer parte da minha vida, nem que fosse de quando em quando, nem que viesses e partisses para depois regressares novamente.
                Achei que saberia viver contigo e que isso faria toda a diferença.          
                Porém, não te encontro, não te conheço, não te reconheço quando, ao longe e de forma fugaz, me acenas em tom de zombaria, para me virares as costas de imediato.
                Finges estar comigo, mas não és tu... és algo parecido... ou diferente, talvez.
                Não é fácil, viver assim!
                Afinal, quem és e onde estás tu, Felicidade???

JC - Inédito

sexta-feira, 17 de agosto de 2012






"A tragédia da vida não é a morte, mas sim o que deixamos morrer em nós enquanto vivemos." 

Norman Collins

quinta-feira, 12 de julho de 2012

...


Há dores que não passam, apenas se transformam. Há feridas que não saram, apenas ganham crosta.
Há pessoas que não voltam  mas não se esquecem. Há momentos que não são recuperados nem tão pouco substituídos...
Ainda não fui capaz de te deixar partir definitivamente. Ainda te tenho dentro de mim, ainda choro e sinto tudo o que me deixaste porque isso não tem fim.
Passa o tempo, passa a vida, passa todo o meu ser. Já não sonho, já não quero, apenas deixo acontecer.
Um dia, talvez, o destino incerto e sem conserto, hei-de aceitar, ignorando a dor, dissipando a saudade sem nada dizer...
Há dores que não passam.

JC - Inédito

sábado, 21 de abril de 2012

EU


Eu sou esta
Mas também sou outra
Sou a que ri,
talvez de si própria
Mas também a que chora,
talvez pelos outros.
Sou a rocha, o monumento imponente
Que permanece no tempo
Mas também a pedra de gelo,
que derrete facilmente
o pedaço de vidro frágil,
que quebra simplesmente.
Sou a que luta sempre sem cansaço
Mas também a que desiste por exaustão.
Sou Mulher forte e segura
Mas também menina frágil e temerosa.
Sou a que não precisa de amor
Mas também a que quer ser amada.
Sou a que tem a solidão
Mas também a que quer companhia.
Sou a que nada incessantemente
Mas também a que se afoga em mágoas.
Sou aquela que já nada sente
Mas também a que tem dores de angústia.
Sou aquela que nada pede
Mas também a que tudo quer.
Sou aquela que destrói impossíveis
Mas também a que edifica improváveis.
Sou a que mata sonhos
Mas também a que fabrica esperança.
Sou a escuridão que cai
Mas também o sol que brilha no horizonte.
Sou o deserto agreste
Mas também o oásis tranquilo.
Sou o que resta do passado
Mas também o caminho do futuro.
Eu... sou apenas assim
Este jogo de opostos

Neste mundo de desengano
Neste deserto sem fim...

JC - Inédito

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Desafios




"Viver é enfrentar desafios.
Quem nunca enfrentou desafios
Apenas passou pela vida
Não viveu.

Sim, todo mundo quer uma vida tranqüila e estável
Mas não se consegue isso sem luta, esforço
E muita coragem.

E ninguém quer uma vida medíocre
Sem sal nem açúcar.
Definitivamente, isso não é coisa que engradece a alma.
Mas se você quer seguir adiante com glória
Tenha ciência de que às vezes é necessário
Mudar a estratégia do jogo radicalmente.

Você poderá perder muitas peças
E muitas batalhas no caminho.
E não importa o quanto você sofra
O quanto você apanhe:
Você precisa reunir suas forças e seguir em frente.

Mesmo que tudo pareça perdido, não esqueça:
Na vida, assim como num jogo de xadrez
Enquanto você estiver de pé e lutando
Nada estará perdido.
- Basta que você mantenha o Espírito
E siga em frente!"

Augusto Branco 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Beijar


"Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro.
"Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como és.
Fácil é ocupar um lugar na tua lista telefónica. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber que se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é persistir por um sonho.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar. Difícil é mentir para o nosso  coração.
Fácil é ver o que queremos ver. Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "olá" ou "como estás"? Difícil é dizer "adeus".
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados. Difícil é sentir a energia que é transmitida. Aquela que toma conta do corpo como uma corrente eléctrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente. Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar. Aprender a valorizar o Amor.
Falar é fácil, quando se tem palavras em mente que expressem uma opinião. Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente sentimos."
Carlos Drummond de Andrade

sábado, 14 de abril de 2012


"Se te contentas com os frutos ainda verdes, toma-os, leva-os, quantos quiseres. 
Se o que desejas, no entanto, são os mais saborosos, maduros, bonitos e suculentos, deverás ter paciência. Senta-te sem ansiedades. Acalma-te, ama, perdoa, renuncia, medita e guarda silêncio. Aguarda. Os frutos vão amadurecer."

Professor Hermógenes


quinta-feira, 12 de abril de 2012

CRÓNICA DO DEPOIS



Assisti, impotente, à tua partida lenta, ao teu afastamento. Tentei incessantemente segurar-te mas tu parecias não ter corpo e escorregaste sempre pelos meus dedos fragilizados.
Talvez o teu amor fosse pouco ou talvez não tivesse mesmo existido, pelo menos da forma que tu dizias.
Afastaste-te tanto que ficaste um simples ponto na linha do horizonte e depois desapareceste por completo.
Deixaste para trás sem as poderes apagar, as falsas palavras de enamoramento, as enganadoras declarações de sentimentos, as falazes promessas, os ilusórios desejos formulados. E isso, nunca poderás mudar, porque aconteceu. Nem isso nem o que fizeste depois, as dores que me causaste, o incómodo da espera, a ansiedade da incerteza, as insónias de delírio, a tristeza de mais uma perda, a saudade do que não se efectivou, a revolta de ter sido ludibriada, a negação do que estava a acontecer, a difícil aceitação.
Compreendi-te e aceitei-te com todas as tuas humanas imperfeições.
Ouvi-te, desejei-te e amei-te mas mesmo assim tu... tu continuaste duro, frio e impenetrável, demasiado metido na tua confusão mental para quereres sequer sair dela... demasiado ocupado em seres infeliz para poderes querer mudar e dares-me um oportunidade.
E foste esquecendo tudo o que inadvertidamente soltaste. Ou mudaste de ideias durante o trajecto? Tão inteligente e tão seguro de ti que só contaste com a tua inteligência emocional, com a tua sabedoria...
Depois... depois fiquei eu exactamente no sítio onde estava ou talvez arremessada um pouco ainda mais para trás na vida. Eu, nesse lugar mas com mais marcas, mais desconfianças, mais desencantos mas também mais certezas.
Depois... depois aceitei o caminho que me foi imposto (ou terá sido oferecido?) e onde tu não estás porque não quiseste.
Estranha e imperfeita forma esta, a tua, onde um umbigo do tamanho do mundo é o centro das tuas atenções. Estranho mundo aquele que escolheste e insististe em mover-te!
Depois... depois deixei-te partir e continuei a ser eu, com mais arestas limadas, com mais recordações gravadas.
Depois... depois compreendi que também tenho um umbigo que não quer o teu mundo porque o meu umbigo não é o meu mundo e porque o meu mundo deixa entrar pessoas e sentimentos regulares.
Depois... depois deixei de te esperar, deixei de querer querer-te, deixei de me atormentar com vãs esperanças de impossíveis e soltei-te.
Depois... depois a vida permanece quase como antes de ti e há-de continuar, não sei como, mas vai continuar até chegar a minha hora.
Depois...
JC - Inédito

segunda-feira, 26 de março de 2012

De que é que Depende a Felicidade?



"Ser feliz. De vez em quando, discretamente, pudicamente, ergue-se em ti ainda esta velha aspiração. Mas já não são horas de o seres, seriam só de o teres sido. De que é que depende a felicidade? O que falhou avulta quando enfrentamos a pergunta. Mas só se não tivéssemos falhado saberíamos se foi isso que falhou. Sei o que falhou mas não sei se o que falhou foi isso. A felicidade ou infelicidade têm a sua escala de grandeza. Tenho os meus motivos grandes mas os pequenos absorvem-nos. Problemas do destino, da verdade, do absoluto que desse a pacificação interior. Mas eles apagam-se ou esquecem com uma simples dor de dentes. Assim eles me avultam apenas quando essa dor se apazigua. Que dores menores me pontuaram a vida toda? Do balanço geral há o que somos para os outros e o que somos para nós. Ser feliz. Possivelmente o problema está num dente cariado. Sei o que falhou.
Não sei o que falharia ainda, se o mais não tivesse falhado. Que falsificação de nós inventamos para os outros que no-la inventaram? Ter grandeza no que se sofre para ao menos nos admirarem o sofrimento. O que sofri entremeado ao público sofrimento não tem grandeza nenhuma. Precisava bem de saber se a minha verdade definitiva não está aí. Ou ao menos a condição de tudo o mais. Para me negar radicalmente na obscuridade de mim. Para saber definitivamente o que vou entregar à morte. Porque pode ser só aquilo de que a morte tomará posse, sem restar nada de que tomem posse os outros."

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4"

domingo, 25 de março de 2012

Eu




"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!"

  Florbela Espanca in "Livro de mágoas"

sábado, 24 de março de 2012

Não sei viver


Não, não sei viver
Com todo este amor que tenho
Com todo o amor que me falta
Com tantos factos que me engolem.

Não, não sei viver
Com todo este esquecimento
Com tanta escassez de entendimento
Com todo este sofrimento.

Não, não sei viver
Com os meus sonhos desaparecidos
Com os pesadelos em que continuamente me agito
Com este excesso de mágoa
Que, hostil, me esgota.

Não, não sei viver
Neste grande deserto de mim
Neste infindo caminho que percorro
Sem chama e sem trilho
Nesta vida em que estou
Há muito já sem brilho.

Não, não sei viver
Com esta falta de gente, que parte
Com tanta gente em excesso que me esquece
Com tudo o que tenho e não quero
Com tudo o que quero e já não peço.

Não, não sei viver
Sabendo que já não sou capaz,
Que a existência me esqueceu
E deixou para trás
Que o desejo, por fim, acabou,
E o tempo que resta é demasiado curto.

Não, não sei viver
Não sei navegar mais neste rio turvo
Onde remo com esforço  sempre ao contrário
Neste batelão furado que carrego
Com o peso deste fardo que não aguento...

Não, não sei viver!!
E não há quem me entenda
Quem seja capaz
Me segure e pretenda
Me ensinar, comigo ficar
E mostrar que vale a pena existir.
Não, assim não sei viver!!
JC - Inédito

quinta-feira, 22 de março de 2012

GUERRA CIVIL



"É contra mim que luto.
Não tenho outro inimigo.
O que penso
O que sinto,
O que digo
E o que faço
É que pede castigo
E desespera a lança no meu braço.

Absurda aliança
De criança
E adulto,
O que sou é um insulto
Ao que não sou;
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou.

Infeliz com loucura e sem loucura,
Peço à vida outra vida, outra aventura,
Outro incerto destino.
Não me dou por vencido,
Nem convencido.
E agrido em mim o homem e o menino."

MIGUEL TORGA, in ORFEU REBElDE

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lembranças...



Lembro-me com um sorriso
Do nosso primeiro encontro
Do lugar agradável em que o fizemos
Das tuas primeiras palavras, atrasadas
Da tua voz, timbrada, segura e jocosa
Dos meus imensos nervosismo e cepticismo
Do tempo interminável que esperei por ti;
Lembro-me do nosso primeiro dia
Do muito sol que brilhava, do intenso calor que estava
Da nossa primeira conversa trocada
Da nossa primeira bebida tomada
Do nosso primeiro passeio, que fiz já sem receio;
Lembro-me do teu cheiro
Do teu riso controlado
Da tua moléstia inesperada;
Lembro-me do nosso primeiro toque de mãos
Do clique que senti sem tu ouvires
Das endorfinas instantaneamente  libertadas
Do nosso primeiro beijo trocado já no escuro
Do nosso primeiro abraço, imenso, apertado
Da esperança que, súbita, apareceu sem eu querer.
Tudo está registado, gravado na minha memória
Mas hoje, tenho apenas essas lembranças
Como simples miragem
De um sonho que não se realizou
De mais um engano que por mim passou
De um projecto que disso não passou.
Lembro-me...
JC - Inédito



segunda-feira, 19 de março de 2012

Dia do Pai


 Hoje foi o teu dia.
O meu primeiro dia "teu" sem tu estares. É claro que foi difícil vivê-lo sem ti... foi mesmo muito difícil!
O tempo tem passado mas eu ainda não me habituei à tua ausência (não sei se algum dia me irei habituar); não me consigo acostumar ao grande vazio que tu deixaste, mal sou capaz de aqui permanecer sem ti: é tudo tão estranho, tão sombrio, tão desprotegido, tão sem sentido...
E à medida que os dias passam, sei que cada vez estás mais distante, que a saudade dói cada vez mais e que cada vez estou mais longe do que queria...
Tal como me recomendaste, tenho continuado a caminhar apesar de os caminhos serem sempre nublados e incertos, abismais, por vezes. Mas estou fraca... cada vez mais fraca. Toda a fraqueza que eu já queria ter ultrapassado é forte de mais para eu conseguir negá-la... para eu conseguir prosseguir sem perder os meus intentos...
O ano passado ofereci-te em mão um postal dizendo que tu eras o meu porto de abrigo; hoje levei-te uma coroa de flores.
O ano passado dei-te um abraço longo e apertado seguido um beijo grande e disse-te o quanto te amo; hoje chorei na tua campa e as saudades deixam-me um nó no peito, porque o amor continua cá dentro.
Hoje já não tenho porto de abrigo numa vida onde tudo se complica e onde todos os que eram suposto honrar os teus princípios estão a afastar-se... 
Sem ti, tudo está longe, desgovernado, abandonado. Até eu.
Sei que é a dita lei da vida; sei que, por natureza, os pais abandonam os seus filhos e partem para não mais voltarem, mas creio que devia existir uma lei que proibisse os pais de morrerem... seria tão mais fácil!!!
Talvez te esteja a desiludir com toda esta minha fragilidade, com todo este abatimento, mas nunca me ensinaste a lidar com a morte e nunca me disseste que ia ser tão doloroso!
Hoje, agora, quero apenas dizer-te uma vez mais o que te disse várias vezes de viva voz: que tu és um pai inigualável, que me orgulho muito do Homem que tu és, que me ensinaste quase tudo o que sou e, sobretudo, que te amo muito de uma forma como só uma filha sabe amar um pai.
E, independentemente do lugar onde tu estás, onde quer que estejas, sabê-lo-ás.
Hoje, foi o teu dia paizinho e eu amo-te!

JC - Inédito

quinta-feira, 15 de março de 2012

Para que serve uma relação:


"Algumas pessoas mantêm relações para se sentirem integradas na
sociedade, para provarem a si mesmas que são capazes de ser amadas,
para evitar a solidão, por dinheiro ou por preguiça.

Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com
outra pessoa; à vontade para concordar com ela e discordar dela, para
ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar,
pregado.

Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de
mãos dadas, para ter alguém que instale o som novo enquanto você
prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país
distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio sem que nenhum dos
dois se incomode com isso.

Uma relação tem que servir para, às vezes, estimular você a se
produzir, e, quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara
lavada e bonita a seu modo.

Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas
suas inquietações, para ensinar a confiar, a respeitar as diferenças
que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem
demais, mesmo em casa, principalmente em casa.

Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num
momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de
melancolia, e cobrirem o corpo um do outro quando o cobertor cair.

Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro no médico,
para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho
e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo,
cientes de que o mundo não se resume aos dois."

Drauzio Varella

terça-feira, 13 de março de 2012

DEUS SEGUNDO SPINOZA



“Pára de ficar rezando e batendo no peito!
 O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não me podes ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais-me dizer como fazer meu trabalho?

Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como te posso culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.

Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prémios nem castigos. Não há pecados nem virtudes.
Ninguém leva um placar

Ninguém leva um registro.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso-te dar um conselho. Vive como se não o houvesse.

Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não te vou perguntar se foste comportado ou não. Eu vou-te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.

Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Pára de louvar-me!

Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.

Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.

Te sentes olhado, surpreendido? Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres?

Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti."
Baruch Spinoza.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Metade de mim


"Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também "
Ferreira Gullar

domingo, 11 de março de 2012

Não És Tu



"Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.

Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume ,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não és tu... ai!, não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti."

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'

Correr Riscos


"Rir é correr o risco de parecer tolo.
Chorar é correr o risco de parecer sentimental.
Estender a mão é correr o risco de se envolver.
Expor seus sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu.
Defender seus sonhos e ideias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido.
Viver é correr o risco de morrer.
Confiar é correr o risco de se decepcionar.
Tentar é correr o risco de fracassar.
Mas os riscos devem ser corridos, porque o maior perigo é não arriscar nada.
Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas elas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!"
Séneca

sábado, 10 de março de 2012

As árvores morrem de pé




Nasci em terra árida,
Semente de nada
E rapidamente em nada me tornei.
Cresci, ramifiquei, floresci,
Quem sabe se amei...
Construi, erigi, partilhei, 
De certeza que respirei.
Pouco tive, pouco consegui, quase nada conquistei
Poucos me conheceram, inúmeros me quiseram
Contudo, nada me deram.
E o tempo tudo me levou
O destino, breve me sufocou
E a dor, bruta e ardilosa, cómoda se instalou.
Fui eixo, fui mulher, deitei sementes
Em terrenos inférteis, inconsequentes.
Passaram os anos, acabaram as forças
Findaram as esperanças
Acabou-se a vida, terminou o meu ser
De tanto lutar, desisti
Porém, sem ramagem e sem folhas
Sem frutos ou sementes,
Sem esperança ou pretendentes
Continuo erguida, para incómodo de muitos,
Mas por pouco ainda permaneço...
Sou árvore e morro em pé!!

JC - Inédito
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sexta-feira, 9 de março de 2012

E se...



E se um dia eu encontrasse
Longe das minhas convicções, a felicidade...
E se um dia eu experimentasse
O prazer da carne aliado ao prazer da alma...
E se um dia o tempo parasse e me deixasse
Ficar junto a ti
Assim, para sempre
Fundidos num só...
E se um dia tu me descobrisses
E me amasses como eu te amo
E me quisesses como eu te quero
E te embriagasses de mim
Bebendo tudo o que eu sou
Em sorvos contínuos...
E se um dia  encontrasses
Junto a mim, o rumo que perdeste
O caminho que não sabes
A vontade que não tens...
E se um dia vencesses a tentação
De perder, de ficar
E a chama voltasse
E a vida regressasse...
Oh... e se um dia tudo isto acontecesse!!!!

JC - Inédito

segunda-feira, 5 de março de 2012



Solto gritos que ninguém ouve
Para abafarem a minha dor
E, no silêncio
Procuro respostas para o que não entendo;
No escuro
Procuro uma luz que me oriente;
No vazio
Procuro o que me preencha.
Mas a palavra não surge
A luz não brilha
E o vazio apenas é preenchido
Com mais vazio e descontentamento.
Estou cansada desta incessante missão
De cada passo dado em frente
Não ser um avanço
Mas um novo recuo.
Cansada da racionalidade controlada
Dos sentimentos descontrolados
Da vida desajeitada.
Mas vou continuar a gritar
Até que a minha voz seja ouvida
Até que a alma deixe de me doer.
Até que a esperança já não queira morrer.
Estou cansada...

JC - Inédito

sexta-feira, 2 de março de 2012

Ilusão Perdida



Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.

Depois dum amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado

na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto,
fiz-te doçura do meu coração,

agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.

Pablo Neruda
, in 'Cadernos de Temuco' 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Saudades... ai as saudades...




Saudades... ai as saudades... ainda as saudades... sempre as saudades!
Saudades do colo da minha mãe, saudades do abraço do meu pai, saudades do beijo do meu filho, saudades do sorriso do meu neto, saudades do amor que não tive.
Saudades dos que partiram para sempre e não podem voltar, saudades dos que estão mas  partiram e não querem regressar, saudades dos que nunca foram meus.
Saudades de uma vida que não vivi, saudades de parte da vida que foi minha, saudades de mim e do meu acreditar, saudades do meu sorriso e da minha alegria.
Saudades más, sempre saudades más porque doem, não cabem dentro do peito e fazem sofrer, fazem escurecer os dias de sol, fazem arrefecer as noites quentes e a vontade de viver.
Saudades do tempo em que a esperança era minha companheira, saudades do tempo em que a solidão não me doía, saudades de uma família.
Saudades... ai as saudades que me consomem... sempre saudades...cada vez mais saudades e mais dor!
Saudades... como as aguentar??

JC - Inédito

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Palavras desnecessárias


Desnecessárias 
Desnecessárias as palavras que nada querem dizer;
Desnecessárias as palavras que fingem abrir janelas mas há portas que estão a obstruir;
Desnecessárias as palavras que pretendem confundir e perturbar;
Desnecessárias as palavras que não deixam  avançar;
Desnecessárias as palavras que apenas tencionam persuadir;
Desnecessárias as palavras que são ditas para a dor fazer crescer;
Desnecessárias a palavras que carecem de ajuda mas simulam não a querer;
Desnecessárias as palavras que apenas servem para algo suspender;
Desnecessárias as palavras que apenas fazem cumprir
A única promessa que alguém me conseguiu fazer:
A de muitas lágrimas me fazer verter.
Desnecessárias essas palavras que, de longe, pouco conseguem expor
Mas que eu sei o seu autor.
Desnecessárias, certas palavras, porque o tempo passa,
A mente envelhece, mas o coração não esquece.
Desnecessárias...
Apenas palavras desnecessárias....

JC - Inédito



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

"Tudo o que uma pessoa imaginar, outra pode torná-lo realidade."

Júlio Verne



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Voar

De nada serve voar para longe, tentar virar costas a tudo, pois tudo continua sempre dentro de mim...
Como se faz para se ser uma outra pessoa??


JC - Inédito

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Flor



Acordo de manhã com vigor e quase viçosa, qual flor fresca.
Quero sempre acreditar que cada novo dia pode transportar uma nova esperança, um novo acontecimento, alguma qualquer evolução na minha vida, por mais pequena que seja.
Porém, o dia corre, as horas passam e com elas nada acontece e eu, perco as minhas pétalas de alento e vou fenecendo...
No final do dia não sou mais do que uma flor murcha e sem ânimo...
Amanhã será um novo dia...
Amanhã, talvez volte o viço e a esperança inventada.



JC - Inédito

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sono...




Deixa-me dormir contigo o teu sono.
Embala-me, envolve-me de mansinho, protege-me nos teus braços como só tu sabes fazer.
Deixa-me ficar assim contigo, apenas estar, apenas ouvir as nossas respirações, sem nada dizer, sem nada fazer, sem nada pensar, sem nada sentir.
E se as nossas dores e as nossas mágoas teimarem em estar presentes roubando-nos a paz desse momento efémero, não as deixemos entrar, não as deixemos ficar.
Quero esquecer essas mágoas, deixá-las para trás e trocá-las por esperança.
Deixa-me... deixa-me dormir contigo o teu sono, esse sono que te tira da dor, esse sono que te faz esquecer o escuro, que te enche o teu vazio, que te dissimula o teu medo. Talvez esse sono eterno e sem retorno...
Deixa-me assim contigo ficar...
Mas se um dia o sono não chegar, se as dores não deixarem de doer, se as mágoas tanto pesarem que do escuro não conseguirmos sair, leva-me também contigo para aquele descampado e deixa-me percorrer contigo o caminho da eternidade.
Deixa-me dormir contigo o teu sono porque ele, tal como o silêncio, pode ser de ouro.

JC - Inédito

sábado, 4 de fevereiro de 2012


  
Ao folhear as páginas de um livro digital, encontrei mais um texto soberbo da mulher que eu talvez tenha sido em qualquer outra vida... 
Vou deixá-lo aqui, invejando a escrita...

"Amar Intensamente  

De que vale no mundo ser-se inteligente, ser-se artista, ser-se alguém, quando a felicidade é tão simples! Ela existe mais nos seres claros, simples, compreensíveis e por isso a tua noiva de dantes, vale talvez bem mais que a tua noiva de agora, apesar dos versos e de tudo o mais. Ela não seria exigente, eu sou-o muitíssimo. Preciso de toda a vida, de toda a alma, de todos os pensamentos do homem que me tiver. Preciso que ele viva mais da minha vida que da vida dele. Preciso que ele me compreenda, que me adivinhe. A não ser assim, sou criatura para esquecer com a maior das friezas, das crueldades. Eu tenho já feito sofrer tanto! Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920) "

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Crónica dos sentimentos de hoje



                Tenho querido esquecer-me de ti, esquecer-me que te amei quase loucamente, que te amo ainda embora de uma forma resignada; tenho querido esquecer que, porventura tu exististe na minha vida e que, em alguma altura eu ponderei a minha existência ao teu lado, embora soubesse que isso nunca iria acontecer.
                Luto comigo mesma, luto com o tempo, luto com os pensamentos, luto com os sentimentos e vou assim, dia após dia, tentando fazer o meu luto.. o teu luto.
                Porém quando creio estar a arrumar-te dentro de uma das gavetas dos meus armários proibidos, eis que tu ganhas voz e me dizes algo... mas algo tão desconcertante e despropositado que também eu fico desconcertada e desconstruída, voltando assim à estaca zero, voltando ao ponto de onde tentei partir, voltando a sentir tudo de novo, tão intenso como sempre e o meu armário fica desarrumado e novamente vazio.
             Não entendo o teu propósito. Não te entendo agora tal como não entendi em outras circunstâncias, embora quase perceba algumas das tuas atitudes para mim tão irracionais.
                Sei que a tua racionalidade é diferente da minha; sei que nos pautamos por premissas de filosofia diversa mas, ainda assim, queria saber todos os teus porquês.
                E é então que se abrem todas as chagas, todas as cicatrizes ainda por sarar, todas as feridas que tenho: as que tu me fizeste e as outras que tenho coleccionado.
                Tenho vontade de te gritar, de te pedir, de te implorar até: "Ama-me para sempre ou deixa-me de uma vez por todas"... mas a voz não sai, as letras não se escrevem, as palavras morrem na ponta dos meus dedos.
                E assim continuo, acompanhando o passar descompassado dos dias, vivendo aos soluços, quase secretamente esperando um milagre ou, também secretamente, desejando que eles se acabem porque nada nem ninguém me preenche ou apazigua a dor.
                Mas vou morrendo aos poucos, quando a dor é tanta que não a suporto mais porque quando o sofrimento é excessivo, tenho que morrer um pouco para poder prosseguir.
                Depois de ti, ficou o escuro. Não um escuro intermitente e que passa com o nascer do sol a cada novo dia, mas um escuro permanente e sombrio que ensombra este pântano por onde me movo. O pior, é que nesse escuro vejo a tua sombra apenas, sendo tu sempre algo inalcançável.
                Talvez não queiras saber mas o teu afastamento arrastou consigo o resto da minha alegria, o pouco sono que ainda tinha, a última esperança que possuía e os pequenos sonhos que me restavam.
                Talvez ainda hoje, mais tarde, quando as sombras já tiverem adormecido e o escuro for igual ao escuro da noite sem luar, eu consiga começar a arrumar-te numa das minhas gavetas...
maria de luz

JC - Inédito


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Cai o véu...



Vou finalmente deixar cair este véu fátuo sob o qual me tenho tentado proteger e esconder.
Vou, como apenas sei ser, desnudar-me e mostrar o que vai dentro de mim, o que tenho negado e soltar o mutismo que me impuseste... que prudentemente me impus.
Quase acreditei que iria conseguir, que estava a conseguir, mas também isso era falso e vou quebrar o meu silêncio, o teu silêncio de ouro.
Pouco me importa a qualidade do que redijo já que tudo não são mais do que humildes rabiscos que pretendem representar os mil sentimentos amalgamados dentro de mim...
Pouco me interessa o impacto que isso tem em ti, já que tu não és crítico literário, já que "tu" és apenas um interlocutor inexistente e imaginário que surges no texto somente pela necessidade de supostamente haver um conjecturado sujeito poético a quem ele é dirigido...
Pouco me ofende que refiras que o que lavro seja semelhante a um patético diário íntimo sem qualidade... afinal, quem és tu, o que fazes ou já fizeste que seja de melhor qualidade que esta modesta prosa, o que alguma vez me mostraste ser criação tua?
Pouco me afecta se crês ver aqui a tua vida exposta, representada, traduzida, referida, pois "tu" não és mais do que o fruto da minha imaginação, mais do que o pomo da minha aparente necessidade, mais do que um ser atemporal e em construção.
Não aguento mais tentar embarricar-me e fingir que ultrapassei tudo, que te esqueci ou que nada sucedeu quando o que efectivamente acontece é justamente o contrário pois tudo é pretexto para te ter sempre presente em  mim, tudo é motivo para ver e reviver os fugazes momentos que passámos juntos.
Ao passar pelos locais por onde vagueámos, ao proferir palavras que trocámos, vem uma dor de saudade dilacerante que me rasga o peito, que me deixa chagas sangrantes, que me faz soçobrar, que me mingua, que me aniquila.
Têm sido dias duros e nem o meu orgulho desmedido me protege da tua soberba imensurável, do teu abandono, do teu desdém, do teu esquecimento, do teu delicioso silêncio provido do mais vil metal precioso, da tua incompreensível forma de agir.
Não sei se te amo ou se te odeio, se te quero ou se te desprezo também.
Sei, neste momento intemporal, que vou voltar a dar vida a este espaço decadente, mesmo que de poesia nada perceba, mesmo que as palavras, as ideias e as estórias me saiam empobrecidas e insignificantes, mesmo que ninguém as leia, mesmo que "tu" não existas, uma vez que é aqui que eu consigo ser "eu" e que eu consigo viver o que a vida não me dá... Afinal, o tão incompreensível espaço da minha escrita tudo me permite..
Voltei. Onde estás "tu"?

JC - Inédito

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Perdi os Meus Fantásticos Castelos



Perdi meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...

Florbela Espanca,
in "A Mensageira das Violetas"

"A última das ilusões é crer que as perdemos todas." 
Maurice Chapelan

(Estou a gastar a minha última ilusão...)

Homens em Ficção



"As coisas que existem são o que são, mas as que não existem são o que não são, e isso é muito maior. (...) 
A vida toda está cheia do que não existe e isso é que é difícil. Mesmo naquilo que existe há sempre aquilo que não existe e é só isso que nos interessa. Porque o que importa não é aquilo que se tem, mesmo que se tenha já tudo: o que importa é o que ainda aí procuramos, mesmo que já não haja nada para encontrar. Mas se calhar é só assim que se é homem, o que nos torna a vida um pouco dura. Somos homens não pelo que existe mas pelo que nem sequer pode existir - seremos? Somos homens em ficção, à custa do que não há? - seremos? "

Vergílio Ferreira, in 'Nítido Nulo'


domingo, 22 de janeiro de 2012

OS MEUS VERSOS




Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...


Florbela Espanca