terça-feira, 29 de novembro de 2011

As coisas vivas também se enterram



As coisas vivas também se enterram. Por vezes até podem ser enterradas por seres sem vida.


Por isso, vou escavar um buraco bem fundo e vou lá enterrar todos os meus sentimentos.

Para que não surjam conflitos, escavarei outro buraco, bem fundo também, em que vou colocar as esperanças, os sonhos e os objectivos que ainda me restam.

Num terceiro buraco, cavado com rigor, reflexão e precisão, colocarei todas as lembranças de todas as vivências e de todas as pessoas que passaram pela minha vida. Sobretudo as daquelas que me foram magoando.

Finalmente, se este meu corpo ainda tiver forças, criarei um último e derradeiro buraco, mais fundo do que os outros, e nele atirarei o meu cadáver, moribundo e vazio, que pretendo abandonar e com o qual me debato dia após dia.

Terei cumprido a minha vontade e poderei, finalmente, descansar e encontrar paz.

Escolherei uma necrópole para o fazer, para ninguém mais me questionar, julgar e apontar o dedo.

Assim, liberta de tudo, talvez em espírito possa encontrar a felicidade que não encontrei em matéria.

Vou escavar quatro buracos fundos…

JC - Inédito

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Se Me Esqueceres



"Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus"

Pablo Neruda

domingo, 27 de novembro de 2011



"Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. 
Esses, sim, são os bons. 
Eu só escrevo para fazer afagos. 
E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. 
E estreitar distâncias. E encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim ( e uma enorme timidez). 
Uns escrevem grandes obras. 
Eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas."

Rita Apoena


"Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava deveria existir em algum lugar do planeta. Nem se fosse apenas dentro de mim... Mesmo se ele não existisse em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor, e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas."

Rita Apoena





sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aprendi



Aprendi
Aprendi que aprendo todos os dias da minha vida:
Aprendi que ainda me surpreendo todos os dias da minha vida;
Aprendi que a mentira se sobrepõe sempre à verdade;
Aprendi que ser honesto e sincero não compensa;
Aprendi que há sempre quem nos engane, mesmo quando o contrário é afirmado;
Aprendi que não devemos confiar em quem nos engana;
Aprendi que nem sempre o amor vence todas as barreiras;
Aprendi que em cada dia um novo sofrimento nos espera, mesmo quando achamos que já sofremos tudo;
Aprendi que  nem sempre a atitude positiva nos conduz aos nossos objectivos;
Aprendi que a inteligência é inimiga da felicidade;
Aprendi que a felicidade é efémera e ilusória;
Aprendi que a ilusão apenas ajuda a adiar a infelicidade;
Aprendi que de um momento para o outro passamos de bestiais a bestas, sem nada fazermos;
Aprendi que nem toda a gente merece a nossa amizade ou o nosso amor;
Aprendi que o rosto de cada pessoa corresponde a uma máscara que não conseguimos penetrar;
Aprendi que a vida é um jogo sem regras onde nem sempre ganha o melhor;
Aprendi que nem sempre as regras são bilaterais; 
Aprendi que a persistência apenas conduz ao sofrimento;
Aprendi que o querer não é poder;
Aprendi  que a incerteza é a única certeza que possuímos;
Aprendi que há projectos inconcretizáveis, pessoas inacessíveis e barreiras intransponíveis;
Aprendi que é sempre possível brincar com os sentimentos alheios;
Aprendi que homens e mulheres são seres  de origens diferentes;
Aprendi que o silêncio magoa mais do que quase todas as palavras do mundo;
Aprendi que a mentira magoa tanto como o silêncio;
Aprendi que a distância física entre duas pessoas apenas existe quando é imposta por uma delas;
Aprendi que há coisas que queria não saber;
Aprendi que a esperança pode morrer antes do tempo;
Aprendi que não quero sofrer mais, mas que nunca o consigo evitar;
Aprendi que não podemos ignorar o que nos magoa;
Aprendi que nunca serei compreendida;
Aprendi que, mesmo com todas as aprendizagens feitas, há erros que são repetidos.
Aprendi?
Aprendi... que ainda não sei o suficiente.

JC - Inédito

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Três meses


               

                Já passaram quase três meses mas a cada dia que passa, tudo pesa mais, tudo é mais crítico.
                Mentiram-me, repito, ao afirmarem que tudo se torna mais suportável com o passar do tempo.
             Estou zangada, muito zangada, cada vez mais zangada contigo e com o mundo, zangada com esse suposto deus que continua a ignorar-me e não me contempla nos seus actos de bondade. Estou zangada até comigo por esta minha impotência, por esta minha incapacidade de aceitação desta condição, por este meu penar que se adensa à medida que tu estás cada vez mais distante. Estou zangada com este desamor, com este abandono, com esta falta de afecto, com o teu esquecimento, com a tua partida.
              Sempre considerei que era forte, mas verifico agora que sou muito fraca, demasiado frágil até para poder gostar de ser quem sou e para admitir a situação.
                Nos primeiros dias depois de teres ido regozijava-me olhando para as nossas fotos, alegrava-me reviver os mil momentos que vivemos juntos. Agora não consigo tão pouco olhar de soslaio para essas mesmas fotografias pois elas despertam-me as lágrimas que estão iminentemente à espreita, no cantinho dos meus olhos. Não as quero ver para não ter que me lembrar de ti, para fingir que me estou a esquecer, para dissimular a dor que tanto sinto.
               Ainda assim, ainda assim não há hora em que tu não povoes os meus pensamentos ou em que tu não entres em cada conversa minha.
             Os dias não são fáceis. O lidar com tudo o que deixaste é ainda mais difícil. O enfrentar o mundo é penoso. O ter que decidir o que deixaste pendente é quase impossível.
              As noites também são complexas. Não consigo dormir, noite após noite, após noite e aproveito essa insónia para inventar momentos alternativos, para criar estratégias de compensação, mas tudo é em vão. Porém, quando o sono, breve, aparece e me consegue finalmente transportar para uma outra dimensão, tudo é horrendo e ainda mais dolente. São pesadelos imensos onde tu és personagem principal e tudo se adensa e mescla em gritos e lágrimas, suores e calafrios, delírios inimagináveis. Depois, quando acordo, sinto-me exausta e incapaz de enfrentar mais um dia em que tenho que aparentar uma boa disposição que não possuo, um sorriso de que já me esqueci, uma esperança que já morreu e um mundo de gente que quase não suporto.
               É assim que eu estou, neste desânimo, neste imenso desalento, neste descrédito  de vida, nesta desesperança e neste cansaço que nem pode ser considerado viver.
               Tenho ido visitar a tua nova morada e, contraditoriamente ao que aconteceu das primeiras vezes, estou a gostar de o fazer. Há uns dias atrás, quando lá estive, depois de ter havido tempestade, tudo estava calmo e a luz aproximava-se do brilhante. Quase tive vontade de dizer que o lugar estava bonito e em paz. Certamente não estou bem.

              Os dias vão continuar a passar  e possivelmente cada um que conseguir acontecer, será uma aprendizagem... ou uma nova dor, ou mais um desalento.
               Sei apenas que, aconteça o que acontecer e independentemente do tempo  que passar, nada será o que foi e tu... tu nunca sairás de dentro de mim!!!
                Tenho saudades tuas porque tu partiste mas eu contínuo a amar-te!
JC - Inédito

                

Como a noite é longa !



Como a noite é longa !
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p'r'ao pé de mim...
Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.
Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido !
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...Que é feito de tudo ?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,
Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sentado na lua




Sentado na lua continuas
Nessa tua busca doentia e desenfreada
Por uma mulher que fisicamente te preencha
Mas que, no interior, não te diga nada.

Queres uma de algum país distante
Que te saiba seduzir e encantar
Que te prometa o mundo inteiro
Para, efectivamente, tudo te pedir e nada te dar.

Galanteias e seduzes todas elas
Usando todas as línguas estrangeiras
Pois estrangeiro tu também és
Agora, ali e de todas as maneiras.

Fico por aqui, nesta minha pequenês
E desisto de te conquistar
Não entro no teu jogo insalubre
De te fazeres triste, apenas português
Para assim, sempre, poderes continuar.

Falo línguas, sim, também as sei
Porém, a língua que eu falo
É a única que tu não entendes
Pois a verdade e o amor
A dedicação e a honestidade
Não fazem parte do que pretendes.

Passa bem, muito sucesso e alegria
Espero que encontres em 
tantos bares, pubs e outros sítios
Muitos conhecimentos nessa tua mania.

Estou noutra  onda
E, por isso, não temos sintonia.
Lamento o tempo tomado
E toda a minha ilusão
De um dia ter acreditado
Que também tinhas coração.

Adeus.
Fica sentado na lua
Que eu, pertenço à terra
Não ergo castelos no ar
Ou faço disso a minha guerra.
Adeus cavaleiro do nada!
Adeus alucinado
Adeus...


JC - Inédito

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

AUTOPSICOGRAFIA



"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração."

Fernando Pessoa

Tabacaria (trecho)



"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

Álvaro de Campos

Começo a conhecer-me. Não existo



"Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos
no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato."

Álvaro de Campos

"O que nos ajuda mais a conservar e manter a nossa força é o facto de sermos amados; e o que se lhe opõe mais é o facto de termos medo. O medo é mau guarda da nossa longevidade; a benevolência, pelo contrário, é fiel e dura até à eternidade."

Marcus Cícero

domingo, 20 de novembro de 2011

Tomorrow...



Have I gone mad
Or am I just confused and sad?
I'm not in alice's wonderland
But all my feelings are grand.
When I dream is all so real
And all the reality seems so unfair
That I don't understand
All this nightmare.
Perhaps I must leave
What I feel in my heart
And only listen the voice
Of my head.
I'm the queen of a dying kingdom
And I fight in battles of my own
With ineffective weapons
Called love and hope,
Affection and trust.
Tomorrow will be another day
Maybe will appear another new faith
And I'll catch more answers
For the questions I don't dare to ask
And maybe, just maybe
I'll finish all those things I have to do.
Tomorrow, no matter in what land
I'll want to find
The real gift of my life
And all the wisdom
To be able to accept
What destiny reserves to me.
Tomorrow...

JC - Inédito




sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Morfologia Imperfeita




Brilhas, mais-que-perfeito,  
Do que o próprio sol
Mas encerras segredos remotos
Que me ocultas e escurecem
Em viagens que afirmas não querer
Realizar
Há sempre motivos misteriosos
De agente secreto
Que te arrastam e afastam de mim.
Isolas-me, assim.
Confundes-me, também.
Baralhas-me, ainda
Transformando-me em apenas
Mais uma peça
De um imenso dominó.
Angustias-me com a angústia
De quem se sente perdida
De quem se sente embarricada
De quem não compreende
A vida e o mundo...
Surgem também as imprecisões
As vontades e as adversativas
Que me inibem o futuro próximo
Me transportam a um passado recente
Me descoordenam os pensamentos
Me condicionam os sentimentos do presente
Com locuções que tenho que aceitar.
E nesta gramática imperfeita
Em que sou sujeito
Sem grande predicado
Vou esperando
Um dia me transformar
No teu planeta solar
Na tua única dependência
Na tua melhor experiência
E o Verbo do teu sentir
Para sempre poder alterar.

JC - Inédito


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Embarcação encalhada


Ao longe, continuo a vê-la passar sem nada conseguir fazer. Tento sempre, mas não consigo. A maré não sobe nunca o suficiente para que eu a possa alcançar.
E assim permaneço, através dos tempos do tempo, enquanto tudo me foge, enquanto ela se esvai.
Estou esgotada. Estou exausta desta tentativa constante de conquista de marés favoráveis sem que elas  me aconteçam.
Nunca sou o suficiente. Nunca sirvo o bastante. Nunca alcanço o razoável. E nunca saio do sítio, uma e outra vez, por mais marinheiros que apareçam, por mais marés que aconteçam.
E exausta, depois do meu interior, também o meu exterior vai apodrecer com a intempérie.
E, de soslaio, ela acena-me com maldade e ironia, mostrando-me o que nunca poderei ter.
É assim, a vida... cruel!

JC - Inédito


sábado, 12 de novembro de 2011

Condições... condicionantes




Não vivemos sozinhos, ainda que possamos nos sentir isolados. Há sempre seres à nossa volta e nascemos numa família que não tivemos oportunidade de escolher. E, sem querer também, vamos condicionando a vida dessas outras pessoas, da mesma forma que elas também condicionam a nossa... para o mal e para o bem.
E montados no alto do nosso imenso pedestal de sabedoria ou de ignorância, a nossa existência, com as nossas atitudes, condicionam a vida dos nossos filhos... porque a nossa também já foi condicionada pelos nossos pais.
É involuntário, a maior parte das vezes. Impensado, até, mas o facto é que acontece. Com a nossa infindável sapiência ou com grande camada de agnosia, cremos ter as atitudes correctas junto de quem amamos, junto dos pais, junto dos filhos... e muitas outras vezes goramos as expectativas... as deles e as nossas.
Assim, nem sempre o resultado final é o melhor ou tão pouco o desejado. Sobram as mágoas, as frustrações, os traumas. Surge também alguma dose de infelicidade ou de revolta, de quando em quando. E questionamo-nos. Reflectimos... mas nada há a fazer pois o passado já acabou, embora tenha sido determinante para o presente fugaz que vivemos e ainda preponderante para o futuro que, breve, se aproxima.
Todos lutamos pelo mesmo, todos procuramos o mesmo. Atribuirmos-lhe nomes diferentes. O objectivo pode até ser diferente, mas o princípio que encerra é, indubitavelmente o mesmo.
E, condicionados e condicionantes, assim vamos prosseguindo numa busca que, muitas vezes é cessada pelo destino antes de termos tido oportunidade de concretizar o que pretendemos.
Este, é, um ciclo ao qual não conseguimos escapar.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Loucura




Se for loucura querer fugir do vazio
Então quero ser louca
Mas parece que nesse percurso
Conduzo sempre em contramão
Pois vejo a minha vida esvair-se
Em cada inusitado buraco
Em cada insólita colisão.

Condicionada pelas minhas escolhas
Colho frutos de vida envenenados
Que me contaminam e ferem.
E insisto que a minha existência
Deverá ser mais do que a soma
De todos os erros que cometi
Sem dar resto zero.

Porém as contas que agora faço
Estão longe de estarem certas
E nestas palavras largadas ao vento
Não encontro grande efeito
Não vejo grande alteração
Ainda que, sem querer
Revele parte da minha discrição.

E nela, porque sou fraca, entras tu
Distante, enigmático, eclético
Misterioso e impenetrável, por vezes
Imune e inacessível, outras tantas
E com o teu jeito singular
Fazes-me perguntar:
Onde guardas o teu amor
Onde escondes o teu sentir
Que me causas tanto pesar.

E o vazio continua
Mas a fuga também
Não quero ir em transgressão
Não quero perder mais vida
Porém, vou continuar
Até um caminho encontrar
Até uma resposta obter
Até te conseguir penetrar
Até conseguir 
O teu coração amolecer.

Será, então, loucura
Querer fugir do vazio?



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Epifania



Numa destas noites escuras de insónia
Algures, entre o sono e a vigília

Eis que tive uma  visão  
E fui visitada no meu humilde templo
Para me falarem da minha ingratidão!


Veio um bando de anjos
Logo seguido de querubins
Que traziam ao seu lado
Muitos outros serafins
Todos eles muito puros e belos
Trazendo mensagens de amor e esperança.

Eis que me abraçam e recebem
Nos seus imensos braços alados
Mas, todos eles, tristes, coitados
Disseram ser entes limitados:
Uns eram cegos, outros surdos
Outros ainda eram mudos mas
Vieram explicar-me as suas funções
Dizer-me que não estou sozinha neste mundo
Mostrar-me que o que tenho
É muito, favorável e profundo
E que eles, mesmo cegos
Mesmo surdos e mesmo mudos
Me guardam e protegem
Me impelem, amparam e dão alento
Para eu atingir os sonhos 
Que ainda tenho cá dentro.

E eu, do alto do meu pagode
Fiquei triste e envergonhada
Por ser egoísta e ingrata
Por não dar valor ao que possuo
Por querer muito, ser exigente
Por querer o amor e a perfeição
Por parte de toda a gente!  

Baixei os olhos e caí em mim
Acordei do tal sono meio profundo
E, desde logo, alarguei o meu mundo.
Os meus devaneios e querer eu mudei
E agradeci tudo o que já conquistei.

Então, depois desta epifania
Muito pouco vou ansiar
E quieta vou permanecer
Esperando, agora, sem pedir
Que tudo o que desejo
Me possa um dia acontecer!

Já de olhos bem abertos
Despedi-me dos muitos anjos
De todos os querubins e serafins
Que, imediatamente em coro
Lindos cânticos entoaram se despedindo
Mesmo cegos, mesmo surdos e mesmo mudos
Para outro microcosmos foram partindo
As asas batendo e os largos sorrisos abrindo.

Adeus meus anjos, adeus meus serafins!