quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quase um poema de amor





"Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor."
Miguel Torga



terça-feira, 19 de julho de 2011

Chama extinta


Murcha a chama que já não chega
Salta o choro, a chiar
Chamo-te... mas não te oiço
E em choque
Aconchego-me no chão
Manchado pela chuva.
Chamo-te de novo
Mas não ouves a chamada
E choro ainda mais.
Sem me mexer
Espero que chegue
A resposta, a chave, o motivo
Mas... nada!
Acho que fui esquecida
E que a chama
Para sempre se vai extinguir
Qual flor sem cheiro
Qual cacho sem uvas
Cresce a desilusão e a melancolia
Cresce a solidão e a dor
E, de coração rachado
De rosto roxo pelo choro
Apago a chama
Viro as costas com vigor
E, baixinho, parto à procura
De um novo ardor!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Dá-me as tuas dores!






Dá-me as tuas dores
Porque elas não me vão doer
Em mim, elas serão apenas mais umas
E em ti, elas são "As" tuas dores.
Deixa-me ser eu a não conseguir respirar
Porque eu, já não preciso de ar
Deixa-me ser eu a não me mexer
Porque eu, já não me quero mover
Deixa-me ser eu a ficar nessa cama
Tão macia mas tão desconfortável
Porque eu... posso ficar e dormir
Até que o tempo se esqueça de mim.
Dá-me esse teu ar triste
Porque esse é o meu semblante.
Dá-me esses teus olhos parados
Porque os meus já não querem ver.
Dá-me esse teu coração debilitado
Porque o meu já não precisa de bater.
Deixa-me ser eu a não conseguir falar
Porque eu, já nada tenho a dizer.
Deixa-me, pai, deixa-me ser eu a sofrer!
Deixa-me dar-te o que resta de mim,
Aceita a minha vitalidade
Porque assim... eu não quero mais viver!
Dá-me as tuas dores, pai!!!

terça-feira, 12 de julho de 2011

Ela...


Ela anda por aqui
Tão próxima de mim
Disfarçada de menina leal
Mas quando quer
O seu beijo é fatal.
Ceifa quem lhe apetece
Indiscriminadamente.
Enganou a minha parente
Que acreditou poder voar
Mas perdeu as asas no trajecto
E no negro foi acabar.
Namora agora
Quem a vida me deu
E sussurra-lhe de perto
Tanto, que me faz tremer!
Seduz também com crueldade
Em forma de cancer outro parente
Que sofre e definha triste
A caminho do final.
Não sei como a afastar
Não sei o que fazer
Pois apenas aprendi que com o tempo
Ela tudo vem colher.
Dói-me o tempo
Dói-me a perda
Dói-me o sofrimento
De todos os que me são queridos
Dói-me a verdade
E quero ter eu o poder
E a mulher da gadanha
Eu poder levar
Para depois
Também poder descansar.

Ela anda por aí...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu perdoo



"As lágrimas que me fizeram verter, eu perdoo.
As dores e as decepções, eu perdoo.
As traições e as mentiras, eu perdoo.
As calúnias e as intrigas, eu perdoo.
O ódio e a perseguição, eu perdoo.
Os golpes que me feriram, eu perdoo.
Os sonhos destruídos, eu perdoo.
As esperanças mortas, eu perdoo.
O desamor e o ciúme, eu perdoo.
A indiferença e a má vontade, eu perdoo.
A injustiça em nome da justiça, eu perdoo.
A cólera e os maus tratos, eu perdoo.
A negligência e o esquecimento, eu perdoo.
O mundo, com todo o seu mal, eu perdoo."

Paulo Coelho

(Eu, Juca... também perdoo!!)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

32400



Conto os dias, conto as horas
Conto os minutos e os segundos
Que já não consigo mais contar
Eles passam  com dificuldade,
Lentos, penosos, devagar
E tento preenchê-los com actos,
Agora vazios e pesados
Pois tudo deixou de fazer sentido.
Não quero este relógio!
Não quero este calendário!
De coração ferido e em padecimento
Invento o que não tem invenção
Tento esquecer o que não tem esquecimento.
Mas continuo a caminhar
Por caminhos já percorridos
Enleio-me nesta minha teia
Velha, doída, conhecida
Mas avanço, mesmo à deriva.
A esperança não a tenho
E vagueio nas palavras que retive
Boas algumas, terríveis outras.
O que se passou, o que aconteceu, o que ficou?
Em alguma parte da composição
Alguém escreveu mal os vocábulos
Alguém errou na forma
Alguém equivocou o conteúdo.
Foste tu? Fui eu?
Fomos nós?
Não quero ser espectadora de mim própria
Mas... terei forças para de novo te inventar?
Para de novo te construir?
Ou apenas terei que te aceitar,
A ti, demónio do meu amar?!
Conto os dias, conto as horas
Conto os minutos e os segundos
E nesta ansiedade de contar
Um qualquer desfecho
Hei-de alcançar...