segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Cai o véu...



Vou finalmente deixar cair este véu fátuo sob o qual me tenho tentado proteger e esconder.
Vou, como apenas sei ser, desnudar-me e mostrar o que vai dentro de mim, o que tenho negado e soltar o mutismo que me impuseste... que prudentemente me impus.
Quase acreditei que iria conseguir, que estava a conseguir, mas também isso era falso e vou quebrar o meu silêncio, o teu silêncio de ouro.
Pouco me importa a qualidade do que redijo já que tudo não são mais do que humildes rabiscos que pretendem representar os mil sentimentos amalgamados dentro de mim...
Pouco me interessa o impacto que isso tem em ti, já que tu não és crítico literário, já que "tu" és apenas um interlocutor inexistente e imaginário que surges no texto somente pela necessidade de supostamente haver um conjecturado sujeito poético a quem ele é dirigido...
Pouco me ofende que refiras que o que lavro seja semelhante a um patético diário íntimo sem qualidade... afinal, quem és tu, o que fazes ou já fizeste que seja de melhor qualidade que esta modesta prosa, o que alguma vez me mostraste ser criação tua?
Pouco me afecta se crês ver aqui a tua vida exposta, representada, traduzida, referida, pois "tu" não és mais do que o fruto da minha imaginação, mais do que o pomo da minha aparente necessidade, mais do que um ser atemporal e em construção.
Não aguento mais tentar embarricar-me e fingir que ultrapassei tudo, que te esqueci ou que nada sucedeu quando o que efectivamente acontece é justamente o contrário pois tudo é pretexto para te ter sempre presente em  mim, tudo é motivo para ver e reviver os fugazes momentos que passámos juntos.
Ao passar pelos locais por onde vagueámos, ao proferir palavras que trocámos, vem uma dor de saudade dilacerante que me rasga o peito, que me deixa chagas sangrantes, que me faz soçobrar, que me mingua, que me aniquila.
Têm sido dias duros e nem o meu orgulho desmedido me protege da tua soberba imensurável, do teu abandono, do teu desdém, do teu esquecimento, do teu delicioso silêncio provido do mais vil metal precioso, da tua incompreensível forma de agir.
Não sei se te amo ou se te odeio, se te quero ou se te desprezo também.
Sei, neste momento intemporal, que vou voltar a dar vida a este espaço decadente, mesmo que de poesia nada perceba, mesmo que as palavras, as ideias e as estórias me saiam empobrecidas e insignificantes, mesmo que ninguém as leia, mesmo que "tu" não existas, uma vez que é aqui que eu consigo ser "eu" e que eu consigo viver o que a vida não me dá... Afinal, o tão incompreensível espaço da minha escrita tudo me permite..
Voltei. Onde estás "tu"?

JC - Inédito

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Perdi os Meus Fantásticos Castelos



Perdi meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...

Florbela Espanca,
in "A Mensageira das Violetas"

"A última das ilusões é crer que as perdemos todas." 
Maurice Chapelan

(Estou a gastar a minha última ilusão...)

Homens em Ficção



"As coisas que existem são o que são, mas as que não existem são o que não são, e isso é muito maior. (...) 
A vida toda está cheia do que não existe e isso é que é difícil. Mesmo naquilo que existe há sempre aquilo que não existe e é só isso que nos interessa. Porque o que importa não é aquilo que se tem, mesmo que se tenha já tudo: o que importa é o que ainda aí procuramos, mesmo que já não haja nada para encontrar. Mas se calhar é só assim que se é homem, o que nos torna a vida um pouco dura. Somos homens não pelo que existe mas pelo que nem sequer pode existir - seremos? Somos homens em ficção, à custa do que não há? - seremos? "

Vergílio Ferreira, in 'Nítido Nulo'


domingo, 22 de janeiro de 2012

OS MEUS VERSOS




Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...


Florbela Espanca