quarta-feira, 15 de setembro de 2010

História rápida de uma vida





Depois de uma gravidez não planeada, nasceu antes de tempo, sozinha, de forma apressada.
Foi aceite pelos irmãos que depressa se aborreceram dela, logo que começou a expressar o seu querer e o seu estar.
Também de forma rápida, cresceu e expulsou de casa os irmãos, tendo ficado, sozinha com os pais.
Sempre velozmente os anos passaram o suficiente para ela estudar, obter o seu emprego e casar.
E depressa teve o filho, que, esse sim, demorou a nascer.
Mas também depressa o casamento acabou.
E ela ficou sozinha de novo.
E bem cedo, o filho cresceu e voou do ninho.
E ela ficou ainda mais sozinha.
E com rapidez o filho teve um filho.
E mais sozinha ainda voltou a ficar.
E com toda esta correria, este despachar de situações, ela foi envelhecendo e ficando cada vez mais e mais isolada, cada vez mais distante de tudo e de todos.
Nessa vida apressada foi fazendo amigos descartáveis, que depressa desapareceram. Nessa vida apressada, não teve tempo de viver, de se dar a conhecer, de deixar algo de si.
A loba solitária que foi desde sempre, roubou-lhe os sonhos e o querer e, por isso, um dia, ela também teve pressa de morrer, talvez com a única ilusão de que poderia ter uma outra vida, recomeçar tudo de novo e de forma diferente, sem pressas, sem diferenças, sem exclusões.
Partiu, depressa, sem aviso, mas, afinal, não voltou nunca.
Foi a pressa que a trouxe e foi ela que a levou.
De toda essa vida conseguiu deixar apenas uma pergunta: Porquê?
Mas também foi esquecida com velocidade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Inocência




" Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras." Reinhold Niebhur

sábado, 11 de setembro de 2010

Despedida






Foram chegando quase todas em silêncio. Traziam o peso da dor no seu olhar, quase todas, húmido. Juntaram-se ao portão já aberto, aproveitando as sombras dos muros e das árvores de folhas penduradas. Alguns, sempre cabisbaixos, iam murmurando com os outros, em conversas inaudíveis mas que deixavam adivinhar o seu conteúdo.
Os minutos foram passando com lentidão e a multidão foi aumentando, deixando já transparecer alguma impaciência.
O sol, lá bem no alto, brilhava e queimava, alheio a todos, seguindo o seu habitual curso diário, agora, de quando em quando, entrecortado por algumas nuvens.
Até que o carro chegou, devagar, também em silêncio e seguido por tantos outros. Parou. Deixou sair os passageiros que se mantiveram ao seu lado, sombrios. A porta de trás abriu-se e a multidão aproximou-se, aconchegada entre si, curiosa, mórbida, talvez.
Foram retirando arranjos de flores, e mais flores soltas coloridas, e mais flores de aromas perdidos.
Por fim, retiraram-no de lá de dentro, alguns homens, que o transportaram a custo, aos ombros, até à entrada.
A multidão juntou-se ainda mais e, em simultâneo, o sino tocou, sinistramente, algumas badaladas. E todos cruzaram o portão, arrastando os pés e acompanhando a passada lenta dos quatro homens que encabeçavam o cortejo.
O silêncio foi substituído pelo choro, mais ou menos ruidoso de muitas pessoas, qual onda a rebentar na areia. Algumas soluçavam, outras fungavam disfarçadamente, tentando esconder o grito da sua dor.
Avançaram um pouco e depois todos pararam. Puseram-no no chão e a multidão afastou-se sincronizada, formando uma clareira em sua volta. O padre de sotaina descontraída, que também em silêncio tinha acompanhado o cortejo, proferiu o seu discurso, de forma breve e solene. Omitiu o facto de aquele ter sido o desejo dela.
Posteriormente, dois homens que não faziam parte da comitiva, abriram-no pela vez derradeira e algumas pessoas, de ar perturbado e em pleno sofrimento, fizeram-lhe a sua última homenagem. Foram instantes intensos e pesados, plenos de dor e mágoa, de um padecimento sem igual. O som dos choros passou a fazer-se ouvir ruidosamente.
Seguidamente, incólumes ao séquito dolente, os mesmos homens voltaram a fechá-lo, emitindo um único som, seco.
Foi então que, a custo, guiado por cordas, entrou na cova que o esperava. Quando já estava no fundo húmido, lançaram-lhe algumas flores brancas, com votos de uma esperança tardia: "Descansa em Paz...", murmurou alguém.
Depois foram as pazadas de terra que o atingiram, com tons ocos, cada vez mais ocos, até que, por fim já só se ouvia o arrastar das pás no asfalto.
Tinha acabado. Estava tudo verdadeiramente acabado e já nada mais havia a fazer!
Seguiram-se as últimas palavras à família, um último olhar fugidio, um último gesto de despedida... e cada qual por si começou a debandar e a procurar de novo o portão, desta vez para o ultrapassar em sentido oposto. Saíram em silêncio, transportando o mesmo ar pesado e triste, o mesmo olhar parado e dolente. Nos lábios, alguns deixaram ainda escapar: "Porquê?".
Só depois virei as costas em definitivo, sem conseguir olhar para trás e segui o meu dia. Não podia alterar os factos nem ir contra a sua vontade. Aceitei-a apenas. Guardei ainda um grave soluço no peito.

O Primeiro






Actualmente, todos querem ser o melhor, para ser o primeiro;
o mais bonito, para ser o mais elogiado;
o mais elegante, para se destacar dos demais;
o mais interessante, para ser o mais procurado;
o mais simpático, para ter mais amigos;
o mais competente, para voltar a ser o melhor;
o mais inteligente, para passar à frente de todos;
o mais rico, para poder comprar tudo e todos;
o mais desejado, por ser o mais simpático;
o que tem mais amigos, porque é o mais procurado;
o que é mais lembrado, porque se destaca de todos;
o que vai a mais festas, porque é o mais popular;
o que é mais amado, porque isso é o mais importante;
o mais... qualquer adjectivo com conotação positiva para poder estar em primeiro lugar, para ser o favorito, o que se distingue, o que está acima dos outros...

Depois... depois disto pouco resta para os que são mais gordos, a não ser o gozo; os que são menos inteligentes, a não ser a chacota;
os que são menos ricos, a não ser o desprezo;
os que são menos populares, a não ser o esquecimento;
os que não têm o melhor emprego, a não ser o fracasso...

Porém, a maior parte dos seres é apenas mediano na maior parte das suas qualidades.
Nem todos são magros, nem lindos, nem ricos.
São apenas comuns mortais, apenas pessoas!

Quando é que começam a olhar para os outros, não por serem gordos ou magros, bonitos ou feios, ricos ou pobres, mas por serem pessoas, com sentimentos, com qualidades, com defeitos e, por isso mesmo com essência?
Quando deixaremos de ter rótulos, e etiquetas?
Quando passaremos a valer pelo que somos e não pelo que parecemos?
Quando passaremos a valer pelo que somos e não pelo que temos?
Quando?

sábado, 4 de setembro de 2010

Voltar a ser menina





Quero voltar a ser menina
Para poder recolher-me
No colo da minha mãe
E voltar a sonhar
E a acreditar no sonho;
Para voltar a amar
E acreditar no amor;
Para voltar a viver
E acreditar na vida.

Quero voltar a ser menina
E poder esconder-me
No colo da minha mãe
Para voltar a ver as cores
De todos os arco-íris,
A luz de todas as luas
Sentir o calor de todos os sóis...

Hoje sou velha
Vejo tudo a preto e branco
Apenas sinto frio e tristeza
Já não acredito na vida
Nem no amor
E não consigo sonhar.
No lugar dos sonhos
Tenho agora um vazio
Pleno de pesadelos vividos.

O meu colo de Mulher
É de cor dolente
E de temperatura impotente
Porque os sonhos, acabaram
A vida, está no fim
E a esperança, definhou.

Quero voltar a ser menina.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Princípezinho






" Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito mas não há os que não deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que duas almas não se encontram ao acaso."