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Foram chegando quase todas em silêncio. Traziam o peso da dor no seu olhar, quase todas, húmido. Juntaram-se ao portão já aberto, aproveitando as sombras dos muros e das árvores de folhas penduradas. Alguns, sempre cabisbaixos, iam murmurando com os outros, em conversas inaudíveis mas que deixavam adivinhar o seu conteúdo.
Os minutos foram passando com lentidão e a multidão foi aumentando, deixando já transparecer alguma impaciência.
O sol, lá bem no alto, brilhava e queimava, alheio a todos, seguindo o seu habitual curso diário, agora, de quando em quando, entrecortado por algumas nuvens.
Até que o carro chegou, devagar, também em silêncio e seguido por tantos outros. Parou. Deixou sair os passageiros que se mantiveram ao seu lado, sombrios. A porta de trás abriu-se e a multidão aproximou-se, aconchegada entre si, curiosa, mórbida, talvez.
Foram retirando arranjos de flores, e mais flores soltas coloridas, e mais flores de aromas perdidos.
Por fim, retiraram-no de lá de dentro, alguns homens, que o transportaram a custo, aos ombros, até à entrada.
A multidão juntou-se ainda mais e, em simultâneo, o sino tocou, sinistramente, algumas badaladas. E todos cruzaram o portão, arrastando os pés e acompanhando a passada lenta dos quatro homens que encabeçavam o cortejo.
O silêncio foi substituído pelo choro, mais ou menos ruidoso de muitas pessoas, qual onda a rebentar na areia. Algumas soluçavam, outras fungavam disfarçadamente, tentando esconder o grito da sua dor.
Avançaram um pouco e depois todos pararam. Puseram-no no chão e a multidão afastou-se sincronizada, formando uma clareira em sua volta. O padre de sotaina descontraída, que também em silêncio tinha acompanhado o cortejo, proferiu o seu discurso, de forma breve e solene. Omitiu o facto de aquele ter sido o desejo dela.
Posteriormente, dois homens que não faziam parte da comitiva, abriram-no pela vez derradeira e algumas pessoas, de ar perturbado e em pleno sofrimento, fizeram-lhe a sua última homenagem. Foram instantes intensos e pesados, plenos de dor e mágoa, de um padecimento sem igual. O som dos choros passou a fazer-se ouvir ruidosamente.
Seguidamente, incólumes ao séquito dolente, os mesmos homens voltaram a fechá-lo, emitindo um único som, seco.
Foi então que, a custo, guiado por cordas, entrou na cova que o esperava. Quando já estava no fundo húmido, lançaram-lhe algumas flores brancas, com votos de uma esperança tardia: "Descansa em Paz...", murmurou alguém.
Depois foram as pazadas de terra que o atingiram, com tons ocos, cada vez mais ocos, até que, por fim já só se ouvia o arrastar das pás no asfalto.
Tinha acabado. Estava tudo verdadeiramente acabado e já nada mais havia a fazer!
Seguiram-se as últimas palavras à família, um último olhar fugidio, um último gesto de despedida... e cada qual por si começou a debandar e a procurar de novo o portão, desta vez para o ultrapassar em sentido oposto. Saíram em silêncio, transportando o mesmo ar pesado e triste, o mesmo olhar parado e dolente. Nos lábios, alguns deixaram ainda escapar: "Porquê?".
Só depois virei as costas em definitivo, sem conseguir olhar para trás e segui o meu dia. Não podia alterar os factos nem ir contra a sua vontade. Aceitei-a apenas. Guardei ainda um grave soluço no peito.